sexta-feira, 13 de abril de 2007

Goethe metido na gestão

Em tempos, numa rubrica de escrita para uma publicação da área da gestão, fui surpreendido por uma citação de Goethe, qualquer coisa como «o que sei, sei-o apenas para mim». Exactamente, surpreendido, sem saber o que arranjar para contrapor; porque eu tinha de contrapor também uma citação, para não fazer má figura. Logo eu que, admito-o, nunca fui bom com as frases, ou antes, com as citações (porque com as frases, genericamente, até que me vou safando). Para contrapor àquilo não consegui arranjar nada, e como havia por onde pegar... Até depois, em conversa com uma amiga, surgiu à baila (da parte dela, claro) uma frase do douto e até, em certa medida, tonitruante Johann Wolfgang von Goethe. Qualquer coisa como «as pessoas tendem a colocar palavras onde faltam ideias», inegavelmente algo bom para contrapor àquilo do «sei apenas para mim». Mais do que isso, algo bom para aquela rubrica de gestão, área onde tantas vezes há que dizer sobre o assunto, esse de colocar palavras onde faltam ideias. E onde, já agora, tanta gente sabe apenas para si própria.
A gestão, neste aspecto, palavras e ideias, já se vê, é um bocadinho como a política, embora por vezes até a bata aos pontos. Nem seria preciso lembrar, mas enfim, lembre-se: as sinergias, as competências distintivas, os contextos, os nichos de competitividade, a sustentação (palavra boa para a política – sustentação, no sentido de sustento), o músculo financeiro, para já não falar dos estrangeirismos e daquela estranha coisa da janela de oportunidade (também admissível na política, e sempre no sentido de ser aberta, porque fechar, isso de fechar, só as portas – «foi uma porta que se fechou»); e, melhor, uma coisa que ouvi num banco (ou, para evitar confusões, numa instituição bancária), o facto de a gestão do risco assentar em exigir aos clientes «um certo background para trás». Sim, num banco instituição bancária, não foi num banco de jardim...
Mas Goethe, acabei por encontrá-lo de novo, imagine-se, num livro de gestão, ou antes, para gestores. Um livro recheado de frases ditas célebres. E lá, no livro, a certa altura, no meio de tanta freguesia inclusive polvilhada de gurus da gestão (norte-americanos, já se vê), o panzer Goethe, poeta, dramaturgo e cientista, apareceu-me a dizer que «toda a gente deseja ser alguém, mas ninguém quer crescer». Coisa de fazer qualquer gestor pensar, se calhar qualquer pessoa, independentemente da actividade. Foi ele, Goethe, que me fez despertar a curiosidade sobre o tipo de pessoas que apareciam no livro; gurus, políticos, empresários, gestores, desportistas, militares, golfistas (vulgo jogadores de golfe, para que não se pense que uma gralha deturpou o termo «golpistas»), de tudo lá aparecia, mas a prevalência, imagine-se, era de escritores.
E, junto com Goethe, que escritores apareciam, para pôr os gestores a pensar? Atente-se na lista, onde se nota a falta da nata portuguesa – mas também, quem colocar, assim dos verdadeiros internacionais? Saramago («o Nobel da Literatura está com a revolução cubana»)? Lobo Antunes («os escritores são todos uns chatos; eu, se fosse mulher, não ia para a cama com nenhum»)? O Torga, com as cepas de urze e o cascalho lá das serranias? Bom, eis alguns dos mais conhecidos: Francis Bacon, Aldous Huxley, Ralph Waldo Emerson, Dale Carnegie (este a aparecer quase a cada página), Bernard Shaw, T. S. Eliot, Gabriel García Márquez, George Sand, Henri Bergson, Washington Irving, Charles Dickens, Julia Sorel, Oscar Wilde (que não podia faltar, ainda que aparecendo com uma frase que não sei se no mundo da gestão fará muito sucesso, «a consistência é o último refúgio das pessoas pouco imaginativas»), André Gide, Santo Agostinho, Mark Twain, Shakespeare, Tolstoi, Anaïs Nin... Claro, nota-se a insistência nos norte-americanos, mas o mesmo já acontece quando toca a atirar com gurus.
A levar com professores assim, resta saber por que mares voará, um destes dias, o comboio dos gestores?

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