sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Um engenheiro no mundo da gestão

O texto que coloco a seguir é um perfil de Manuel van Hoof Ribeiro (foto de Artur Henriques), um engenheiro com um percurso bem relevante no mundo da gestão, digamos assim, global; mas também com um percurso relevante na gestão de recursos humanos (na passagem da década de 1970 para a de 1980, presidiu inclusive à Associação Portuguesa dos Gestores e Técnicos dos Recursos Humanos – APG). Escrevi este perfil em 2003.

A viagem na vertical
Um perfil de Manuel van Hoof Ribeiro

Já não faltava muito para chegar a Revolução de Abril, mas o velho Estado Novo português parecia coisa para lavar e durar, mesmo que no país poucos vislumbrassem maneira de alguma vez ele aparecer de cara verdadeiramente lavada. Uma noite, em Lisboa, um homem caminha mais a mulher. É sócio da AIP e pensa levá-la lá a jantar; lá, quer dizer, «ao restaurante que lá havia». De repente, pára um carro; gente importante, um almirante e o guarda-costas, qual dos dois o mais conhecido. A mulher assusta-se.

Também, não era para menos. O guarda-costas já tinha as suas histórias, contudo bem menores do que as do almirante, nem mais nem menos do que Henrique Tenreiro, uma figura bem colocada no aparelho do Estado. Estamos no início da década de 70. Cerca de quarenta anos antes...
... pelo Verão de 1931, nascia em Lisboa, na zona dos Anjos, o homem a quem o almirante haveria de sair ao caminho. O nome, Manuel van Hoof Ribeiro. O pai era português; a mãe, belga, da Flandres. «O meu pai casou tarde, já teria quarenta anos. Era um homem de negócios, com uma vida cheia de aventuras, na Turquia, na Rússia, em Paris...» Foi aí que conheceu a futura mulher, uma então candidata a cantora que frequentava o Conservatório. Ela abandonara a burguesia flamenga para se instalar na cidade-luz sob a tutela de um parente que leccionava no Conservatório. Se o choque já tinha sido grande em Berlaar, a aldeia da família materna de van Hoof Ribeiro, o choque pela opção artística da rapariga, maior ainda foi quando se soube que estava de abalada para Portugal para casar com um português. Era demais para a família, que chegara a ser uma das mais ricas da Bélgica mas que estava debilitada pela primeira guerra mundial; família que viria a perder praticamente o resto da fortuna durante a segunda. «Os alemães tiraram metade; depois os aliados ficaram com a outra metade.»
O pequeno Manuel vive feliz em Lisboa com os pais. «O meu pai continuava com os negócios, mas menos viajante. A minha mãe ficava por casa, dedicando-se ao canto e ao piano.» Aos quatro anos, Manuel vai para a Escola Alemã, na zona de Palhavã, na altura frequentada pelos filhos de famílias tradicionalmente germânicas. Fica aí até aos onze anos, quando passa para o Liceu Camões (1943). Durante esse período, apanha grande parte da segunda guerra mundial. «Os poucos portugueses formavam um grupo na escola alemã... Andávamos à pancada com os alemães, eles a defenderem o Hitler, e nós, nem se pense que falávamos no Salazar, nós defendíamos o Carmona.» A guerra marca-o, muitos colegas alemães são chamados, rapazes de quinze e dezasseis anos. Vários deles acabam por morrer. «'Mortos em combate', era o que anunciavam.»
Os pais separam-se quando Manuel tem dez anos. É um choque para o rapaz. «As férias em família acabaram. Davam-me dinheiro e eu ia de férias...» Manuel refugia-se junto dos amigos, passa a frequentar as casas das famílias deles. O divórcio é um rude golpe para a mãe, que raramente sai de casa. Manuel mora com ela, em Lisboa. O pai está no Estoril e começa a dar sinais de estar doente. Morreria duas décadas depois, em 1965. «O meu pai viveu em diversas casas e em hotéis. Lembro-me dele de charuto na boca; lembro-me depois dos exames pulmonares, de o ver já no final da vida sempre com uma garrafa de oxigénio atrás. Aos dezasseis anos, tomei conta dos negócios dele, têxteis, importação/ exportação. Desfiz-me do negócio em 1975, um prédio na Rua dos Fanqueiros, que antes se tinha chamado Rua da Princesa; as ruas da baixa perdem e ganham valor de cem em cem anos.»
No Liceu Camões, o jovem Manuel começa por não se destacar muito com os livros. É atleta de bom nível do então Lisboa Ginásio Clube e isso dá-lhe «notoriedade». Mas as coisas acabam por compor-se na parte final dos estudos secundários e entra no Instituto Superior Técnico, em Engenharia Química Industrial, surpreendendo alguns dos amigos, que o viam a seguir Medicina. «Não podia ir para fora durante muito tempo, porque tinha de estar junto do meu pai. Procurei uma piscina e encontrei a do Técnico, onde cada banho custava dez escudos. Uma fortuna. Sugeriram-me que me inscrevesse na associação, pagando cem escudos; foi o que fiz. Foi o meu primeiro contacto com o Técnico, e acabei por ir para lá fazer os estudos superiores.»
É depois do primeiro ano do curso que conhece a mulher. Anda numa lufa-lufa, os negócios do pai, explicações, ginástica no Lisboa Ginásio Clube, voleibol na equipa do Técnico. E o namoro com a futura mulher, o que lhe dava «bastante trabalho». Chega a campeão nacional de Voleibol («era bem melhor na ginástica, mas como fazia parte da equipa que ganhou sete ou anos campeonatos seguidos...) e mais tarde, na ginástica, lesiona-se mesmo antes da convocatória para os Jogos Olímpicos de 1948, em Londres. O curso toma-lhe seis anos, dois dos quais divididos com a tropa. «Tinha que ter boa nota no curso de oficiais milicianos para depois não ser colocado fora de Lisboa.» Fora de Lisboa, que podia ser, por exemplo, a Índia, onde as coisas começavam a estar quentes. Fica em terceiro lugar e opta por Queluz. «Colegas meus acabaram por morrer na Índia. Havia canhões, mas não havia balas.» Colegas, assinale-se, engenheiros, que «tinham ido colocar explosivos para rebentar pontes, aquando da retirada»; isto quando «os indianos tinham pontes militares para colocar a seguir».

A longa tropa virtual
Em 1957, o engenheiro químico industrial Manuel van Hoof Ribeiro entra numa das referências do país em termos empresariais, ou antes, na referência, a CUF.«Foi no dia um de Setembro. Fui para Alferrarede, para a União fabril do Azoto». Normalmente entrava-se pelo Barreiro, mas o jovem engenheiro tinha outros planos. «Em Alferrarede era mais fácil, tratava-se de uma fábrica nova, davam casa, água, electricidade... Pude casar um mês depois de ir para lá. Tínhamos uma cama, uma mesa, cadeiras, mais nada; agora é diferente, os jovens casam e têm electrodomésticos, mobília... Quando recebi pela primeira vez um director, fiquei envergonhadíssimo com aquela frugalidade; fui a correr comprar uma bebida para lhe oferecer...»
Viaja pelo estrangeiro, França, Itália, não sem problemas... «Saí dos Altos Estudos Militares de forma irregular. O general director, que me tinha feito ficar mais uns meses como tradutor de alemão, acedeu a libertar-me do serviço sem quaisquer exigências burocráticas.» Manuel van Hoof Ribeiro queria casar, tinha a viagem de fim de curso e o convite da CUF. Sai, na moto em que se deslocava habitualmente, mas sem o documento comprovativo da decisão do general director. «'Pronto, vai-te embora e não te estampes com essa porcaria de duas rodas, e quanto ao casamento vê lá onde te vais meter', disse-me ele.» A falta do documento não atrapalha a viagem de finalistas, nem a primeira viagem pela empresa. Só que à terceira... «Fui interceptado quando solicitava o passaporte militar no quartel de Queluz; disseram-me que continuava ao serviço. E a minha mulher, grávida de oito meses, no carro, à minha espera...» Lá consegue o passaporte, mas por azar as portas de armas tiveram de ser encerradas; «ordens superiores». Falava-se numa movimentação de tropas nos quartéis da região de Lisboa. «Acabei por ter de saltar o muro.» A partir daí, usa passaporte militar provisório, pedindo sucessivas revalidações. Continua na tropa... «Ainda pensei que chegava a coronel, por antiguidade, mas alguém terá travado o processo e parei em tenente. Há pouco tempo, ao solicitar a reforma definitiva, pediram-me perto de três mil euros para contarem o tempo em que cumpri o serviço militar. Não discuti, tropa é tropa, e além disso o primeiro-ministro disse que estamos de tanga; paguei.»
Manuel van Hoof Ribeiro acaba por mudar-se para o Barreiro, em 1959. Agora está numa fábrica de adubos... Antes planeava, agora também executava. «A sensibilidade era outra...» A progressão é rápida. Em 1962 está ligado ao Centro de Estudos da CUF, também no Barreiro, que depois passa a Centro de Projectos. À frente, Vístulo de Abreu, um homem que viria a revelar-se fundamental para o jovem engenheiro. Em 1963, um grupo de quadros da CUF, entre eles van Hoof Ribeiro, cria dentro do grupo a Profabril, procurando utilizar o custo/ benefício das dezenas de técnicos existentes. «Fazíamos projectos, fiscalizávamos serviços... O sucesso foi grande nos primeiros anos.»
Entretanto, tinha ganho dinheiro com acções da União Fabril do Azoto. Tinham sido colocadas no mercado a 500 escudos, baixando depois para 125. Manuel van Hoof Ribeiro acredita e compra nos 300 escudos; vende-as alguns anos depois a 1.250 escudos. À conta desses ganhos, compraria uma casa em Cascais, onde ainda mora; uma casa que viria a causar-lhe algumas dores de cabeça.
Sai da Profabril em 1969. «Não me sentia bem com a saída do Vistulo; saí.» É convidado pela Casa Bensaúde, que tem posições maioritárias em trinta e três empresas. «O Banco Totta & Açores vem daí... Tinha o Banco Micaelense, companhias de seguros, a SATA, bancas para navios, companhias de navegação, a Parceria Geral de Pescas...» É aí, na Parceria Geral de Pescas, que está pela parte do Estado o almirante Henrique tenreiro, o homem do bacalhau. A família Bensaúde tinha oferecido um navio bacalhoeiro ao Estado, com a intenção de que fosse baptizado com o nome de recém-falecido Vasco Bensaúde, a figura tutelar da família. O navio arde no Mar da Palha, o Estado recebe o dinheiro do seguro, ainda por cima de uma das companhias da família. Manuel van Hoof Ribeiro, ao ver que tinham de pagar o navio oferecido, não se contém e manda «umas bocas» num jornal. É então que, uma noite, ao caminhar com a mulher em Lisboa, lhe sai o almirante Tenreiro ao caminho, de guarda-costas e tudo. «Bom, o almirante chamava-lhe secretário particular...»

Era só para arranjar mesa
Afinal, o almirante do bacalhau queria só «certificar-se de que o senhor engenheiro e a esposa arranjavam mesa», e queria certificar-se de guarda-costas e tudo. Almirante que voltaria a atravessar-se no caminho de Manuel van Hoof Ribeiro, depois do 25 de Abril. Mas antes, a casa de Cascais... «Eu vivia numa casa em Lisboa. Faltavam-me oitocentos contos para pagar tudo; tinha de os entregar daí a quinze dias ao empreiteiro, ou então perdia o que lhe tinha entregue, 2.600 contos.» Ia pedir emprestado a um banco e tudo estava combinado... «Era administrador de seis empresas do grupo, estava em Londres a tratar de negócios de fuel óleo.» Dá-se o golpe de Estado em Portugal, o 25 de Abril. Quando regressa, dirige-se ao banco com o qual negociara o empréstimo, mas tudo se complica; negam-lhe o empréstimo com o argumento de ser fascista. «Informaram-me de que era fascista, porque tinha comprado uma moradia em Cascais... Foi o que me disseram no Crédito Predial Português.» Pedir dinheiro no banco do grupo, nem pensar, porque «daria primeiras páginas nos jornais». Vale-lhe Manuel Ricardo Espírito Santo, a quem conta o episódio; este manda-o à dependência do seu banco no Saldanha e tudo se resolve. «Quando lhe telefonei para agradecer pessoalmente, informaram-me de que tinha sido levado para a prisão de Caxias.»
A confusão instala-se no país. Manuel van Hoof Ribeiro mantém-se no escritório da Rua do Ouro e na companhia de seguros de que era presidente. Num Sábado, telefona-lhe um director... «’Também fomos nacionalizados', disse-me, e eu respondi-lhe que ia logo para lá.» Foi e só regressou a casa na Terça-feira de manhã. «A certa altura, toca o telefone no meu gabinete; atendo e perguntam do outro lado: 'então, camarada, está tudo bem?'». Não responde logo, pelo que lhe perguntam o nome; respondeu e passado pouco tempo tinha as forças do COPCON na empresa com o mandato de captura do costume, em branco. Os trabalhadores defendem-no, exigem que fique, pelo que é nomeado director-geral, mantendo o salário; a presidência é entregue a «um tipo de barbas». Aliás, «nessa altura cresceu a barba a quase toda a gente». Pouco tempo depois, num Domingo de manhã ... «Estava a dormir, telefonam da Cova da Moura; ou ia para lá ou mandavam-me buscar sob prisão.» Foi. «'Então o senhor deu guarida ao almirante Tenreiro, que vai abandonar o país num navio seu?’, disse-me um tenente.» Tudo acaba por esclarecer-se... Tenreiro preso no quartel do Carmo desde o 25 de Abril, conseguira sair coma ajuda do guarda-costas/ secretário particular, tentando abandonar o país num dos navios da SNAB (Sociedade Nacional de Arrastões Bacalhoeiros); Manuel van Hoof Ribeiro tinha sido tomado por presidente do conselho de administração da sociedade, daí a acusação. «Eu era presidente da assembleia-geral, mas o tenente não via qual a diferença.» Mesmo assim, ainda lhe pedem que investigue as actividades passadas do almirante na sociedade, porque é que andava de BMW, quanto ganhava e por aí adiante. «Claro que não investiguei nada, coloquei o problema ao conselho de administração, para ver como é que saíamos daquilo...»
Manuel van Hoof Ribeiro acaba por demitir-se de todos os seus cargos no grupo em 1975. «Apresentavam-me para assinar papéis que não eram assináveis...» Fala com Vístulo de Abreu e meses depois está na Companhia Nacional Petroquímica, onde fica apenas uns meses. Nobre da Costa, antes de ser primeiro-ministro, ainda como secretário de Estado da indústria, chama-o para a Siderurgia Nacional, onde fica até 1980. «Havia uma enorme desorientação, tinha de se trabalhar muito, tive de ser um bocado bruto, mas a empresa passou a ganhar dinheiro.»
Entretanto, tinha sido convidado para a Associação Portuguesa de Gestores e Técnicos dos Recursos Humanos (APG) pelo seu amigo e antigo colega da CUF e da ginástica, Raúl Caldeira. Chega a ser vice-presidente e depois presidente. É um pouco a passagem pela APG que o leva a integrar a equipa do Ministério do Trabalho, no sexto governo provisório. «Na altura, a opinião da APG em matérias laborais era tida como fundamental...» No governo de Pinheiro de Azevedo, acaba por fazer o dia de greve que ficou histórico, «o único dia de greve que fiz na vida». Era chefe de gabinete do secretário de Estado do Emprego, Manuel Tito de Morais, que «receava a parte prática...» No 25 de Novembro, chega a andar de metralhadora.
Em 1984, depois de três ou quatro anos a trabalhar como consultor, assume a presidência da EPAL, que passa depois a empresa lucrativa, «alimentando todo o grupo IPE», isto quando lhe pediram, ao entrar, para «ver se mantinha aquilo a perder apenas 500.000 contos por ano». Sai em 1988, após um processo bastante doloroso que envolveu vários nomes do governo PSD (ver caixa), que o obrigou inclusive a pedir à Alta Autoridade Contra a Corrupção uma investigação às suas próprias actividades à frente da empresa, algo inédito.
O IPE, a holding estatal, não o coloca em nenhuma empresa. «Diziam que ainda ia ter de esperar, depois do que acontecera na EPAL.» É quase uma década de Indefinição em que faz «uma espécie de mestrado» em Inglaterra e dá aulas como docente de licenciaturas no ISEL, instituto de que chega a ser vice-presidente; além de continuar a trabalhar como consultor. Em 1997, já depois do ocaso político de Cavaco Silva, o presidente da República Jorge Sampaio conversa com ele no Palácio de Belém. Quer saber por onde anda. Meses depois é o primeiro-ministro António Guterres que o chama, sonda-o sobre o que gostaria de fazer. Manuel van Hoof Ribeiro diz que não é boy. Guterres, muito sério, informa-o de que só se preocupa em recrutar profissionais. «Eu acreditava mesmo naquilo dos jobs for the boys... Levei uma lição.» Dois meses depois, é o ministro das obras públicas, João Cravinho, que manda chamá-lo; «ia para o Algarve, de carro, e telefonou-me a chefe de gabinete, a dizer-me que voltasse para Lisboa imediatamente». Cravinho fala-lhe de diversas empresas do Estado e acaba por convidá-lo para a presidência da Brisa, a empresa das auto-estradas, onde entra no dia dois Setembro. Tinha de preparar a privatização. «Durante quinze dias, dormi noite sim, noite não, sempre em reuniões e mais reuniões com analistas financeiros.» A privatização da empresa, dividida em quatro fases, é um sucesso. Manuel van Hoof Ribeiro chega a ser vice-presidente da ACECAP, a entidade europeia ligada às auto-estradas, cargo que abandonou recentemente. Em 2001, deixa a presidência da Brisa, pouco antes de estar presente na inauguração da auto-estrada para o Algarve. E regressa ao universo onde entrou em 1957 e onde nunca teve contrato anteriormente, nos termos da «cultura de confiança» que existia. É administrador não executivo da SGPS José de Mello. Aos setenta e um anos, volta a ter o mesmo patrão. Sai de casa diariamente pelas dez da manhã, para fugir ao trânsito, e regressa pelas cinco da tarde. Em casa, a mesma comprada pelos tempos da Revolução, cheia de recordações de uma vida que tem sido sempre uma viagem na vertical, de cabeça bem levantada, consegue estar on-line com o escritório; isto graças a um sistema «todo moderno» que não o assusta nem um pouquinho. Vai buscar os netos ao ténis, leva a mulher (que o «atura» há quarenta e cinco anos) à ginástica e mantém a mania de andar de mota, tal como a de fazer o pino. É um homem tranquilo consigo próprio, mas parece intranquilo com o país; vá lá alguém pôr-se a dizer que não tem razões para isso...

CAIXA
As águas e o pântano
Em 1984, Manuel van Hoof Ribeiro toma posse como presidente da EPAL. Chegara a falar-se na presidência da Quimigal, o grupo que resultava da privatização da «sua» CUF. Pediram-lhe para «ver se mantinha aquilo sem passar dos 500.000 contos anuais de prejuízo». A empresa vivia tempos difíceis. Sucedem-se as greves, falta água em Lisboa, chega a morrer gente nos hospitais. Manuel van Hoof Ribeiro não demora muito tempo a perceber o que se passa; a empresa está tremendamente politizada, nas mãos de «um partido, o PCP». Resolve actuar. Afasta directores e rodeia-se de pessoas em quem confia. Sabe que em 1987, a continuarem as coisas assim, não haverá capacidade para abastecer Lisboa. Sabe também que a Baixa Pombalina pode abater, por assentar em estacas que só se conservam dentro de água, isto com a água já desviada pelas mexidas no subsolo. Desenvolve o plano de que resultam os projectos da nova captação de água no Castelo do Bode e a nova estação de tratamento de água da Asseisseira. Ao mesmo tempo, implementa mudanças na gestão da empresa, que até aí navegava ao sabor das confusões políticas da época. Mete-se também a perceber a situação da Baixa Pombalina, propondo soluções, mas sente-se «boicotado por responsáveis da tutela». Surge à baila, na comunicação social, uma empresa onde estão nomes de vários responsáveis governamentais e outros «futuros políticos». Os projectos para o arranque de um modelo matemático da rede de distribuição, «com mais de cem anos e sucessivas roturas», na Baixa Pombalina não avançam. São tempos «terríveis», em que «vi como única solução, perante as situações escandalosas com que me deparei, («referiam os media na altura, que se tratava de uma empresa privada que estava instalada numa secretaria de Estado»), pedir à Alta Autoridade Contra a Corrupção um inquérito às minhas próprias actividades na EPAL». «Tomei a decisão depois de conversar com o então ministro da tutela.» Foi um longo processo, onde o organismo liderado por Costa Brás deu razão a Manuel van Hoof Ribeiro, o que não evitou a este nem a saída da EPAL nem um ataque cardíaco. Um secretário de Estado deixa o governo de Cavaco Silva, sendo substituído pelo seu anterior chefe de gabinete, que recebe van Hoof Ribeiro. «Quando entrei, ouvi apenas: ‘quando quiser, pode sair’...» Manuel van Hoof Ribeiro diz que acabou por ter «o apoio de políticos e de jornais» e que «talvez inclua estas aventuras num livro que pretende publicar».

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Edição de Novembro

Número 63 da revista «Pessoal» – edição de Novembro. Na capa, António Quina, o homem que criou a empresa «a vida é bela». Coloco a seguir o meu editorial.
(clicar na imagem para aumentar)
A felicidade
Como é habitual em Novembro, esta edição da «Pessoal» será distribuída no «Encontro Nacional» da Associação Portuguesa dos Gestores e Técnicos dos Recursos Humanos (APG). Além dos vários canais em que a revista circula, desde a banca ao universo de sócios daquela associação, estará numa realização que conta já com 40 anos de história; o «Encontro Nacional» da APG começou a ser realizado ainda antes de eu ter nascido.
A primeira edição aconteceu cerca de dois anos e meio depois da fundação da associação, em 1964. Foi nos dias 10 e 11 de Março de 1967, no Hotel Praia Mar, em Carcavelos, e o tema foi o seguinte: «As Perspectivas da Direcção de Pessoal». Raúl Caldeira, o primeiro presidente da APG, falou-me em tempos desses dois dias de Março de 1967; fê-lo numa entrevista, assim… «Fizemos um encontro, os primórdios dos encontros de hoje, 20 pessoas, uma sala, havia um que discutia um assunto, apresentava-se meia dúzia de temas e por aí adiante. Fizemos um escaparate com os livros de cada um, para divulgar os livros profissionais que havia, os que cada um tinha, mas a certa altura começámos a ver que havia lá um parceiro que ninguém conhecia, que andava a meter o nariz nos livros. Quem é? Quem não é? Viemos a saber que era um inspector da PIDE. A PIDE andava um bocado de olho, em cima de nós também, mas não nos incomodaram assim muito fortemente, a não ser nestas pequenas coisas, nestes jogos baixos. (…) Enfim, foram as dificuldades próprias do nascimento de um movimento associativo.»
Agora, 40 anos depois daquela primeira realização que até um PIDE bisbilhoteiro meteu, a APG vai realizar o seu quadragésimo «Encontro Nacional». O tema parece-me um pouco afastado daquilo que às vezes se espera no mundo das empresas, onde palavras horríveis como sinergia, pró-activo ou ‘executive’ fazem as delícias de muita gente. «Performance e Felicidade – A Convergência Possível», é o tema. A comissão organizadora, numa passagem de um texto que acompanha o programa, escreveu… «Será que a performance e a felicidade das pessoas nas organizações são incompatíveis? A resposta não é óbvia, nem tão pouco linear. Com facilidade apetecia-nos dizer que não, que não são incompatíveis! Estamos a falar de temas complexos, subjectivos, multi-variáveis. Desde logo, no que toca à felicidade, não há uma única definição para o termo, e na vida como na literatura há mais interrogações do que certezas ou modelos categóricos. Há o ‘ser feliz’ e o ‘estar feliz’. O encarar a felicidade como um somatório de bons momentos ou a existência de um contínuo de bem-estar. Há os interesses e as preferências pessoais muito diversificados. Nas organizações, nas empresas, pela sua natureza e pelo seu propósito, há uma legítima preocupação em criar valor, conseguir resultados; para tal, em que se atinja elevadas performances. As pessoas têm os seus interesses e objectivos individuais. As empresas também. Conseguir importantes plataformas de convergência entre estes interesses diversificados é, seguramente, um bom caminho para a elevada performance e um importante contributo para a felicidade das pessoas.»
Para uma edição como esta, distribuída onde se fala de felicidade, nada melhor do que irmos buscar para capa um autêntico empreendedor da felicidade: António Quina, o criador da empresa «a vida é bela», de quem publicamos um perfil. Mas a edição tem muito mais coisas; destaco duas: um dossier sobre a Organização Internacional do Trabalho e uma reflexão sobre a relação dos gestores e dos economistas com o ambiente (em tempos de Nobel para Al Gore de uma história ambiental de Rodrigues dos Santos, mas é apenas coincidência). Podia, é claro, destacar mais coisas; ficam para descobrir nas páginas seguintes.