A contratação do Paulinho
Talvez desse logo para pensar na contratação do famoso Paulinho Cascavel, que ainda por cima chegou ao Sporting em 1987, aquando da passagem de Carlos Antunes pelo clube. Mas não. Atente-se no que conta Carlos Antunes…
«Na direcção presidida pelo já falecido Amado Freitas, o mandato de 1986 a 1988, um dos vogais, prestigiado sportinguista e meu particular amigo, Rogério Beatriz, convidou-me para o cargo de director de pessoal. O curioso é que embora sob essa designação, e tratando-se de um lugar não remunerado e exercido em part-time, se aproximava daquilo que muitos hoje defendem ser o verdadeiro papel do gestor de recursos humanos nas organizações, que é o de ser consultor das administrações e dos restantes directores na gestão dos respectivos recursos humanos. O que não admira, se pensarmos que aquela direcção foi também a primeira a tentar ensaiar um novo tipo de gestão profissional ao nível de um clube em Portugal, sem dependências de mecenas. Este convite naturalmente que me deixou feliz, uma vez que isso me proporcionava a possibilidade de colaborar com o meu clube de sempre. Costumo dizer na roda dos meus amigos que antes de ser português já era sportinguista... Isto deve ser entendido na perspectiva de alguém nascido em África, em Moçambique, nos anos 50 do século passado; o ideal sportinguista, bem como dos outros clubes portugueses, nomeadamente do Benfica, do Porto e do Belenenses, era vivido através dos relatos via Emissora Nacional ou das deslocações no defeso da temporada das principais equipas de futebol... Eram das bem poucas referências que nos ligavam à então denominada metrópole.»
Mas voltemos ao Paulinho. O Cascavel, chegado de Guimarães com o estatuto de melhor marcador do campeonato, haveria de repetir a façanha, sem que isso levasse o Sporting a conquistar o título de campeão de forma a interromper um longo jejum de meia dúzia de anos. Longo, dizia-se naquela altura, porque a verdade é que ninguém imaginava que ainda estavam para vir mais dois jejuns iguais, até ao ano 2000. Enfim, adiante... A verdade é que foi durante o mesmo mandato da chegada de Paulinho Cascavel a Alvalade que por lá aportou um outro Paulinho. Paulinho, apenas assim, sem apelido de cobra como complemento, tão pouco de lagarto, ou de qualquer outro bicho parecido (o que até nem seria caso de espantar, num futebol que tem assistido ao desfile de preciosidades como o Cobra propriamente dito ou até o Jacaré). O Paulinho apenas Paulinho haveria de se tornar conhecido não pelas façanhas no relvado (embora tenha acabado por protagonizar algumas), mas como técnico de equipamentos.
A grande contratação
Conta ainda Carlos Antunes... «Toda a gente ligada ao fenómeno do futebol conhece o Paulinho, o roupeiro. Hoje a designação parece ser a de técnico de equipamentos, mas esta questão da modificação das designações funcionais a que vamos assistindo é outro problema que não cabe aqui ser analisado. O Paulinho, o roupeiro da equipa principal de futebol do Sporting... Pode mesmo dizer-se que ele é o único elemento que ombreia em popularidade e mediatismo com os futebolistas, o que não acontece nas restantes equipas do nosso futebol. Haverá alguém capaz de se lembrar do nome do roupeiro do Benfica, ou do nome do roupeiro do Porto?»
Pouca gente, por certo. Assim como pouca gente conhece as circunstâncias em que se processou «a contratação do grande Paulinho». De novo Carlos Antunes... «No decurso da minha passagem pelo Sporting, fomos contactados, eu e a então chefe de secção de pessoal, Fernanda Simões, por uma instituição de deficientes no sentido de saber até que ponto poderíamos colaborar na recuperação de um dos seus alunos, cuja característica principal era a de que se tratava de alguém cuja referência e cujo modo de lhe fixar a atenção ter a ver unicamente com tudo o que se relacionava com o Sporting.»
E então, um belo dia...
«... apareceu-nos em Alvalade a responsável da instituição, acompanhada do Paulo Gama, que na altura, se bem me lembro, tinha 16 anos. Todos constatámos logo o ar de felicidade estampado no rosto do rapaz por se encontrar em Alvalade; era certamente a realização dos seus sonhos. A responsável da instituição queria que analisássemos em conjunto a questão, ou seja, estava vago o lugar de roupeiro da equipa de futebol dos juvenis. As funções eram arrumar os equipamentos provenientes da lavandaria, limpar e engraxar as botas, etc. Ficou logo acertada a contratação do rapaz para o lugar.»
Numa primeira fase, ainda que se deslocasse diariamente às instalações do clube, para a prestação dos serviços atrás referidos, o Paulinho continuou entregue aos cuidados da instituição, a quem de resto o Sporting pagava a remuneração da sua colaboração. «O que interessa relevar é que, na sequência dos traços psicológicos detectados e das tarefas que lhe foram dadas, o Paulinho revelou desde o início uma enorme motivação; e, certamente como consequência, uma enorme dedicação e um enorme profissionalismo no exercício do cargo. Isso permitiu-lhe, já muito tempo depois da minha saída, a promoção ao lugar de técnico de equipamentos da equipa de futebol profissional, com um estatuto que só ele possui em Portugal.»
Trata-se, sem dúvida, de um história feliz. «Uma história dos recursos humanos no futebol, em que foi possível, através do desporto e de um ideal, o de pertencer ao Sporting, proceder à recuperação integral de um deficiente. Uma pessoa que, para além de ter demonstrado capacidade para o exercício de uma profissão, superou através dela o essencial da sua deficiência, tornando-se, e isto é o mais importante, autónomo, não dependente, e plenamente integrado na sociedade.»
Ninguém duvida, com toda a certeza, de que foi uma grande contratação. Quanto ao Paulinho goleador, referido no início, ao que se sabe tornou-se fazendeiro, criador de gado. No Brasil, no lugar onde nasceu, a cidade de Cascavel.
Carlos Antunes é licenciado em «Direito» pela Faculdade de Direito de Lisboa e pós-graduado em «Políticas de Desenvolvimento e Gestão de Recursos Humanos (pela UAL) e em «Marketing Público e e-Government» (pelo ISCEM). Iniciou a actividade profissional em 1974, como técnico do Gabinete de Relações de Trabalho do Ministério dos Transportes e Comunicações, tendo exercido até 1982 diversas funções na Administração Pública (nomeadamente as de adjunto do secretário de Estado dos transportes e do ministro da República dos Açores) e de gestão na área dos Recursos Humanos em organismos públicos. Transitou depois para o sector privado, onde exerceu as funções de director de pessoal da Hidroeléctrica de Cahora Bassa (de 1982 a 1996) e de director de recursos humanos do Instituto das Comunicações de Portugal (ICP, depois ANACOM; de 1997 a 2002). Actualmente é quadro superior no Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social. Mantém um blog denominado «Choachibata».
1 comentário:
António:
Uma história verdadeira, com alguns pormenores que ainda não conhecia, e que me enche de orgulho de ser Sportinguista. E que já teve reconhecimento internacional.
Infelizmente o folhetim do caso Iordanov é o contraponto miserável.
Sinal dos tempos.
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