quinta-feira, 3 de maio de 2007

As empresas e o futebol

Em tempos entrevistei Filipe Soares Franco (trabalho feito em conjunto com a jornalista Ana Leonor Martins). Foi em Abril do ano passado, para a revista «Pessoal». Filipe Soares Franco tinha-se demitido da presidência do Sporting e aguardava pelos resultados das eleições que iram decorrer dentro de poucos dias. Para ver se voltava a presidente. Voltou, como se sabe. Aqui fica a entrevista, misturando empresas com futebol.


Filipe Soares Franco
A notoriedade nem sempre positiva

Com uma carreira empresarial de quase três décadas, iniciada logo depois de terminado o curso de Gestão, e com algumas passagens pelo futebol, Filipe Soares Franco assumiu um enorme protagonismo desde que substituiu António Dias da Cunha na presidência do Sporting, e sobretudo desde as propostas relacionadas com o património do clube que o levaram inclusive a pedir a demissão, com a consequente convocação de eleições. Confissões de um líder que se desmultiplica entre o mundo dos negócios e o mundo do futebol, e que acha importante realçar que a notoriedade proporcionada por este último «nem sempre é positiva».

Esta entrevista foi feita poucos dias antes das eleições antecipadas para a presidência do Sporting, às quais Filipe Soares Franco se apresentou como candidato – a foto ao lado foi tirada poucas horas depois do anúncio oficial da candidatura, em conferência de imprensa (Filipe Soares Franco aparece na sede de uma das empresas a que preside, a construtora OPCA, que tal como a sede do Sporting fica no Edifício Visconde de Alvalade, precisamente um dos tão falados «activos» que integravam o seu projecto de venda do património imobiliário do clube). O mundo empresarial e o mundo do futebol dominaram a conversa. Descubra a seguir alguns pontos de contacto entre os dois.

Com os cargos de topo que tem no mundo empresarial, em empresas com relevância nomeadamente em termos de actividade económica e de emprego, como avalia as suas responsabilidades de liderança?
Quanto mais elevada é a posição que assumimos numa organização, maior vai sendo a componente liderança e menor a componente técnica da nossa função. O meu papel nas organizações a que presido é, mais do que tudo, um papel de liderança de uma equipa de pessoas que assumem um objectivo comum e que trabalham em conjunto todos os dias para o atingir. Escolher as pessoas certas, fornecer-lhes uma visão, motivá-las para uma missão, acompanhá-las, avaliá-las e recompensá-las são, para mim, os principais papéis de um líder de uma equipa.
Sente que o papel do líder, numa empresa, pode ter mudado nos últimos anos? Por exemplo, como vê novos factores como a globalização, a concorrência acrescida, as pressões ambientais, a responsabilidade social, a ética empresarial ou a importância que cada vez mais se reconhece ao capital humano para o sucesso de uma organização?
Na minha opinião, o papel de líder tem-se mantido no essencial. O que está a mudar muito é o papel do gestor. Os factores que referem – e que são de enorme importância – estão a ter um forte impacto no papel do gestor actual. A complexidade no mundo empresarial e as novas exigências da sociedade em que vivemos tornaram a gestão empresarial extremamente complicada. Estas dificuldades só podem ser ultrapassadas através do trabalho em equipa de profissionais com competências multidisciplinares, o que veio dar ainda mais valor à capacidade de liderar equipas. Hoje, seja qual for o sector de actividade, é impensável conseguir ter sucesso individualmente. Só com pessoas talentosas, a trabalharem em equipa e focalizadas num objectivo comum, é possível responder aos desafios que vão surgindo.
No caso particular de uma das empresas, a OPCA, a cujo Conselho de Administração preside, que mudanças realça em termos do que é pedido ao seu máximo responsável?
A OPCA situa-se num sector de actividade que tem vindo a passar por momentos muitos difíceis nos últimos anos. Basta dizer que desde há cinco anos que o mercado de construção civil e obras públicas tem vindo a decrescer de ano para ano. Felizmente, a OPCA tem vindo a ultrapassar estes anos com bastante sucesso, o que se deve, entre outras razões, ao facto de termos implementado medidas de gestão das pessoas que passam por um grande rigor, por um lado, mas também por um forte investimento no nosso capital humano. O posicionamento estratégico e o modelo de negócio que definimos para a OPCA passa por ter pessoas cada vez mais qualificadas e isso exige um estilo de gestão e liderança que não pode ser o que era tradicional no sector.
E quanto a mudanças em relação aos colaboradores em geral?
As dificuldades de um mercado cada vez mais competitivo levam a que as pessoas necessitem de reforçar permanentemente as competências que já têm e também a adquirir novas competências, mais rapidamente do que a concorrência.
Quais são as principais preocupações na definição da política de recursos humanos da empresa? E que importância atribui a essa política dentro da empresa?
Como já se percebeu das minhas palavras anteriores, atribuo uma enorme importância à gestão das pessoas. A OPCA fez uma grande investimento nesta área ao recrutar e integrar na sua Comissão Executiva um dos mais conceituados profissionais desta área, José Bancaleiro [entretanto saiu para o Banco Finantia], que tem vindo a desenvolver de raiz um processo integrado de gestão do capital humano, cujos resultados já começam a aparecer. Está a ser criada uma nova cultura, a que chamamos «SerOPCA» e cujos pilares são o envolvimento e o desenvolvimento das pessoas e a contribuição para o negócio – objectivos ambiciosos. Toda a politica de recursos humanos tem que estar integrada e contribuir para os objectivos estratégicos da empresa.
Nos últimos anos, alguns dos líderes empresariais têm-se tornado figuras conhecidas junto do grande público, muito à custa do facto de a economia também marcar a agenda da comunicação social. No entanto, esse mediatismo raramente ultrapassa o de líderes políticos ou desportivos, nomeadamente do futebol. Tendo em conta até a sua experiência pessoal, como explica esta situação?
Não concordo com a afirmação. Existem muitos líderes empresariais que são tão ou mais conhecidos do grande público que os que estão ligados á politica ou ao futebol. O futebol, sendo um grande espectáculo, é por natureza uma área em que existe muita exposição e, consequentemente, há uma grande notoriedade. É importante realçar que esta notoriedade nem sempre é positiva. São conhecidos casos de pessoas que foram muito prejudicadas profissionalmente por essa exposição mediática. Em contrapartida, não conheço casos em que a exposição mediática dada pelo futebol tenha trazido grandes vantagens a nível empresarial.
Se o futebol não tivesse passado pelas transformações por que tem vindo a passar, nomeadamente com o aparecimento das sociedades anónimas desportivas (SAD), a gestão profissional e outras situações que o colocam mais perto do mundo empresarial, o senhor teria alguma vez assumido o protagonismo que assumiu?
Não sei. Como já disse, a minha ligação ao Sporting tem mais razões emocionais – razões do coração – do que racionais. De qualquer forma, acho que os clubes de futebol não sobrevivem se não tiverem uma gestão profissional, e esse é o meu ambiente.
Tem sido frequente o aparecimento de figuras associadas a um certo populismo que são vistas como a salvação de um determinado clube. Já a a emergência da sua figura como muito importante para o futuro de um clube é justificada por algumas pessoas com a referência a outros factores, como a credibilidade ou a capacidade de gestão. Pode-se dizer que o seu caso é uma excepção, ou é possível encontrar outros?
Não conheço em profundidade os outros para dar uma resposta devidamente fundamentada. No caso do Sporting, é evidente que a solução não passa por salvadores milagrosos, mas sim por medidas de gestão bem planeadas, implementadas e controladas.
Passará por casos como o seu a liderança dos clubes profissionais de futebol?
Não sei. Cada caso é um caso.
O que é que se pode levar do mundo das empresas para o futebol em termos de gestão das pessoas?
Muita coisa. Penso que o mundo do futebol tem muito a ganhar com o rigor e o profissionalismo na gestão do capital humano que existe em algumas empresas. Isto não significa que o que se faz nas empresas possa ser aplicado directamente ao mundo do desporto. Existe um conjunto de factores específicos que desaconselham a «adopção» mas aconselham a «adaptação». Estou certo de que as empresas também tinham a ganhar se olhassem para algumas experiências que têm acontecido nos clubes desportivos como uma fonte de aprendizagem.
Como acha que se pode compatibilizar com esse universo – o do futebol –, onde impera o factor emocional, a racionalidade tradicionalmente associada aos contextos empresariais?
Esse é um dos factores específicos que caracteriza o mundo dos clubes que tem de ser tido em conta. De qualquer forma, hoje na gestão sabe-se que a emocionalidade e a racionalidade não existem uma sem a outra. Provavelmente, existe mais emocionalidade nas empresas do que aquilo que julgamos e também mais racionalidade nos clubes do que aquela que parece existir numa primeira análise.
Por falar em factor emocional, como são tidos em consideração em termos da gestão das empresas a que está ligado? O futebol, por exemplo, ensinou-lhe alguma coisa nessa área?
O factor emocional sempre esteve presente na minha vida pessoal e profissional. O futebol, quando muito, reforçou a importância desse factor em determinados contextos.
Um ponto de contacto entre o futebol – ou falando até em termos mais amplos, o desporto – e o mundo empresarial tem sido precisamente a importação de alguns conceitos para a gestão das organizações, ligados nomeadamente à motivação, à liderança, ao trabalho em equipa – acabou até de referir que as empresas ganhariam se olhassem para experiências de clubes desportivos como uma fonte de aprendizagem. Esta ideia sempre foi algo natural para si, que desde há muito conhece os dois campos, ou houve um momento particular em que como líder empresarial e apercebeu disso?
Como gestor e como empresário sempre tive consciência dos factores referidos. A minha experiência como dirigente desportivo veio reforçar alguns desses aspectos, em especial o da importância do trabalho em equipa. Os talentos individuais são importantes, mas são as equipas que ganham os jogos.
Com a sua experiência de liderança de projectos empresariais e de um projecto desportivo como o do Sporting – depois da saída de António Dias da Cunha –, como explica o que é o sucesso em cada um dos casos?
O sucesso passa em ambos os casos, essencialmente, por definir objectivos ambiciosos e atingi-los.
Tem consciência de que o futuro de um líder no desporto, e neste caso particular no futebol, é sempre incerto? E no mundo das empresas?
É incerto em ambos os casos, mas mais no caso do futebol.
Quando não estiver no mundo do futebol, ainda o veremos no mundo das empresas?
Espero que sim. É pelo menos essa a minha intenção.

Filipe Soares Franco (n. Lisboa, 1953) é licenciado em «Gestão de Empresas» pela Universidade Católica Portuguesa. Desde que concluiu o curso, em 1979, foi sucessivamente administrador do Grupo Vista Alegre, administrador-delegado e director-geral do Grupo Terrazul SGPS, vice-presidente da Ameritech International Portugal e administrador da Gil Y Carvajal & Gras Savoye. Actualmente, é presidente do Conselho de Administração da OPCA – Obras Públicas e Cimento Armado SA, presidente do Conselho de Administração da Saibrais (filial portuguesa do grupo francês DAM – Denain Anzin Minéraux SA), administrador da Pinto Basto SGPS, presidente da Associação Nacional de Empreiteiros de Obras Públicas (ANEOP) e presidente do Conselho de Administração de Aleluia Cerâmicas SA. A presidência do Sporting Clube de Portugal, após a demissão de António Dias da Cunha em Outubro de 2005, tornou-o um dos líderes portugueses mais mediáticos.

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