quinta-feira, 31 de maio de 2007

Só para adultos

«Só para adultos» é um texto que escrevi em 2003 sobre a educação e a formação de adultos no nosso país, muito especialmente abordando o papel da ANEFA, liderada de 2000 a 2002 por Márcia Trigo. Aliás, é Márcia Trigo, uma mulher que pode ser descrita como uma verdadeira força da natureza, a protagonista desta história.


Só para adultos, pouco qualificados e certificados, era a educação e a formação disponibilizada pelo projecto da ANEFA, uma agência governamental que depois foi integrada numa direcção-geral, mas sempre com os jovens ao barulho. A «estória» é contada por uma mulher que vive intensamente cada projecto em que participa, Márcia Trigo.

Márcia Trigo foi presidente da ANEFA, a Agência Nacional de Educação e Formação de Adultos, de Janeiro de 2000 até Dezembro de 2002, tendo depois regressado ao seu lugar de origem, assessora principal do quadro do Ministério da Educação [entretanto, acabou por mudar para outro projecto, na Universidade Autónoma de Lisboa – ver nota biográfica no final, escrita na altura em que foi escrito este texto, mas adaptada agora, em 2007], quando as competências da agência passaram para uma nova instituição, a Direcção-Geral de Formação Vocacional. Juntaram-se as questões da educação e da formação de adultos com outras bem diferentes ligadas à formação vocacional para jovens. De qualquer forma, tudo o que tenha a ver com essa alteração é o que menos interessa para aqui. Situemo-nos então nos tempos da ANEFA, quase três anos, e no projecto de uma mulher que fala dele com uma incontida paixão.
Márcia Trigo... «A ANEFA tinha uma dupla tutela, do Ministério do Trabalho e da Solidariedade e do da Educação, articulando-se com vários departamentos dos dois ministérios e com o ministério responsável pela Administração Pública, o das Finanças e contando com o apoio de um conselho consultivo, integrado por representantes dos diversos parceiros sociais e por especialistas em educação/ formação e desenvolvimento. Pelo país fora, articulava-se e cooperava com mais de oito centenas de instituições locais que desenvolviam ou passaram a desenvolver projectos de educação e formação de adultos, conducentes à certificação escolar e/ ou profissional.» No meio de tão grande engrenagem, como se terá saído esta mulher? Fica a resposta para o final.

O problema
Para já, o problema. Márcia Trigo deparou-se no início do ano 2000 com a situação de em Portugal existirem, em 4,7 milhões de adultos activos, «mais de 3,2 milhões sem as competências básicas ou críticas para poderem continuar a aprender ao longo da vida»; por outro lado, «os dados disponíveis evidenciavam que a população portuguesa (sobretudo depois da entrada na União Europeia e da muita e diversa formação realizada) possuía conhecimentos e competências superiores à sua certificação; ou seja, Portugal é um país pouco qualificado mas também sub-certificado, impondo-se actuar nestes dois campos: formar/ qualificar e certificar». Além disso, «Portugal estava numa situação inversa à da maioria dos países mais desenvolvidos». Por exemplo, segundo dados de 1999, «na Dinamarca e na Finlândia, para a população entre os 25 e os 64 anos, a percentagem dessa população com apenas seis anos de escolaridade não tinha qualquer significado, enquanto na Holanda rondava apenas os 12%, mas em Portugal, pasme-se, era de 67%, com a média dos países da OCDE nos 16%». «Passando para os nove anos de escolaridade: Dinamarca, 20%; Finlândia, 28%; Holanda, 23%; Portugal 12%; média da OCDE, 20%. Ensino secundário: 80%, 72%, 64%, 21% (Portugal), com a OCDE nos 62%. Ensino superior: «27%, 31%, 22%, 10% (Portugal) e a OCDE com a média de 22%, sempre para a população dos 25 aos 64 anos que, na maioria dos países da OCDE, constitui a população activa ou que trabalha, já que até aos 25 anos a maioria está na escola, na universidade ou em centros de formação». Ou seja, «situamo-nos, em todos os níveis de formação, completamente à margem da tendência dos países desenvolvidos». Outra comparação «preocupante», jovens entre os 15 e os 29 anos que não frequentaram o ensino secundário e não detêm o respectivo diploma: «22%, 10%, 19%, 47% (Portugal), sendo 20% a média da OCDE». E ainda outra, «que talvez dê mais que pensar», alunos do ensino secundário, matriculados em cursos com orientação geral ou com orientação profissional e tecnológica: «Dinamarca, respectivamente, 46,7% e 53,3%; Finlândia, 46,8% e 53,2%; Holanda, 33,4% e 66,6%; Portugal, 75,0% e 25,0% (pasme-se de novo); média da OCDE, 49,4% e 47,0%».
A partir desta caracterização e do conhecimento da realidade, em comparação com muitas outras tendências nos países com os quais Portugal compete, a análise de Márcia Trigo... «Portugal tem baixíssimos índices de qualificação a todos os níveis, sendo inqualificável a situação dos portugueses activos, dos 25 aos 64 anos, que não possuem sequer o nono ano de escolaridade ou equivalente, (mínimo obrigatório na União Europeia), num país em que sobram instalações escolares e professores (mais de 6.000 do quadro com horário zero) e no qual a população em idade escolar está em declínio rápido. Temos os recursos necessários, mas falta-nos capacidade de decisão, a persistência para organizar, para alinhar estrategicamente, gerir, monitorizar, liderar e avaliar.» Mais... «Portugal tem os piores níveis de formação ao nível secundário, um terço da média da OCDE, independentemente da orientação desse ensino, que por cá é predominantemente generalista, não conduzindo a qualquer qualificação, contra as teorias das boas razões, as regras de bom senso e as gritantes regras de desenvolvimento, inovação e competitividade. Somos, em educação e formação, o país menos desenvolvido da OCDE, o que condiciona tanto o futuro próximo como o longínquo, já que se trata de uma questão que abrange várias gerações e não apenas uma, como por vezes se afirma. No ensino superior, sem analisar a sua qualidade, a população entre os 25 e os 64 anos que detém um diploma é de apenas 10% em Portugal, contra 22% de média dos países da OCDE e valores muito superiores para, por exemplo, a Finlândia com 31%, a Dinamarca com 27%, a Holanda com 22,0%. Ficamo-nos por menos de metade da média da OCDE e menos de um terço da Finlândia. Há correlações elevadíssimas entre um ensino superior demasiado académico e divorciado da realidade e mesmo assim com percentagens muito baixas, seja qual for a comparação que fizermos.»

A procura de soluções
Procurando soluções para o problema, respeitante à missão da ANEFA (os adultos activos sem o nono ano de escolaridade certificado), Márcia Trigo – com a equipa que a acompanhou – definiu uma política para a qualificação e a certificação dos referidos 3,2 milhões de adultos que em Portugal não possuem «as competências básicas ou críticas para continuarem a aprender ao longo da vida». Definiu-a, «depois de observar o que se fazia noutros países e o que se fazia, ou não, em Portugal», e implementou-a. «Tinha uma pequena equipa de 10/ 12 pessoas à chegada à então recém-criada ANEFA, a qual durante dois anos havia funcionado como grupo de missão. Não deitei nada fora, nem excluí ninguém. Aproveitei as pessoas que queriam trabalhar e o conhecimento produzido e herdado, integrando outras pessoas, oriundas dos quadros dos dois ministérios da tutela e ainda professores (cujo número é muito superior às necessidades das escolas e dos jovens em idade escolar). Há sempre lugar para todas as pessoas competentes, motivadas e empenhadas. O que é preciso é saber o que se quer, conhecer as pessoas e as suas competências, mobilizando-as e liderando-as continuadamente».
Nos quase três anos de presidência de Márcia Trigo, a ANEFA conseguiu apoios por parte de responsáveis e agências governamentais. «Negociei o indispensável e estruturante; por exemplo: o financiamento dos Cursos de Educação e Formação de Adultos que, em Dezembro de 2002, ultrapassavam os 700; o próprio financiamento da ANEFA; a criação de pequenas e flexíveis estruturas territoriais; fizemos aprovar, publicar e aplicar a legislação necessária ao cumprimento dos objectivos fixados para a agência em áreas inovadoras.» Márcia Trigo concorda que teve dificuldades, num país em que o mais comum é encontrar dirigentes e técnicos a «puxar para trás», a não acreditar no investimento em formação, qualificação e certificação das pessoas; «mas criámos 84 Centros de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (CRVCC), dos quais 42 já se encontravam em funcionamento em Dezembro de 2002, estando mais 14 prontos a iniciar a actividade logo em Janeiro, em inúmeras instituições acreditadas pela ANEFA (associações empresariais – nacionais, regionais e sectoriais –, escolas profissionais e secundárias, centros de formação, grandes empresas, confederações patronais e sindicais, autarquias, associações de desenvolvimento local, escolas de formação hoteleira, etc.), sempre co-financiados com fundos comunitários, o que teve de ser negociado e renegociado». «Outras instituições poderão também vir a criar Centros RVCC auto-financiados; têm-no feito as que «percebem que há muitas pessoas com conhecimentos e competências obtidas na prática e em inúmeras acções de formação, mas sem certificado escolar e profissional para a continuação de estudos ou o acesso à carreira profissional.»
Ainda Márcia Trigo... «Os Centros RVCC identificam e validam as competências dos adultos, atribuindo um certificado (equivalente aos certificados dos diversos níveis de ensino) aos que demonstram possuir as competências definidas no chamado referencial de competências-chave. «Na ANEFA, não fazíamos directamente a formação, nem éramos um centro de reconhecimento e certificação. Constituímo-nos e assumíamo-nos como uma estrutura de uma Administração Pública moderna que reserva para si diversas funções, normativa, reguladora, de produção de materiais de referência, de monitorização, avaliação e formação das diferentes equipas de profissionais e, ainda, a de mobilização social, de benchmarking e de difusão de best practices. Por isso, e em primeiro lugar, definimos referenciais de competências, concebemos e produzimos uma infinidade de material técnico de apoio, definimos o modelo dos cursos e dos Centros RVCC, sendo que no caso destes últimos os instalámos ou ajudámos a instalar e a funcionar. E desenvolvemos campanhas de mobilização social, utilizando nos media, o que é incomum na Administração Pública, em especial a este nível básico e para os adultos, sempre tão esquecidos em Portugal, embora seja sobretudo com eles que o país produz, compete, pode inovar e empreender.»

Os resultados
Através deste sistema, que integra também acções de formação complementar para todos os que não sabem tudo, muita gente melhorou e certificou as suas habilitações. Os exemplos são muitos. Márcia Trigo... «Apraz-me referir o caso de muitos empresários de sucesso de pequenas e médias empresas (PME), com conhecimentos e competências, mas que apenas tinham certificada a quarta classe, ou, quando muito, o sexto ano; e muitos outros profissionais, bombeiros, dirigentes de associações culturais, presidentes de juntas de freguesia, assessores de governadores civis, trabalhadores de museus e palácios nacionais, profissionais de turismo, homens e mulheres que adquiriram conhecimentos e competências e as viram certificadas, criando com isso um ambiente e uma cultura de grande auto-estima, de iniciativa, de abertura ao novo e, sobretudo, de gestão e crença em aprender, saber mais e possuir o respectivo certificado.»
Finalmente, a resposta que atrás se disse ficar para o final. No exame temático que a OCDE realizou à política de educação e formação de adultos em Portugal, é referido que «o modelo e as práticas da ANEFA são profundamente inovadoras, operando uma inversão da perspectiva em relação a alguns pressupostos e algumas práticas comodistas e burocráticas habituais, demonstrando que, no quadro da Administração Pública, é possível conjugar o trabalho de departamentos de Estado, habitualmente fechados no seu casulo burocrático, com o trabalho de instituições da sociedade civil, as mais diversas, dinamizando parcerias, responsabilizando indivíduos e associações, partilhando objectivos e entusiasmos, e tudo isso com uma enorme coerência, com coordenação e profissionalismo, fácil de verificar nos resultados alcançados em tão pouco tempo e a um ritmo muito pouco comum». E pronto.


Márcia Trigo fez toda a sua carreira ligada à educação, à formação e ao desenvolvimento. Iniciou a actividade profissional como docente do ensino básico, na cidade do Porto. Teve uma longa passagem por Moçambique, onde foi sub-inspectora e inspectora-coordenadora da educação, sempre com funções pedagógicas, tendo sido a primeira mulher a desempenhar tal função após concurso de provas públicas: de Pedagogia, Psicologia, Didácticas, História da Educação, Legislação Escolar e Práticas Pedagógicas. Regressou a Portugal em 1975, assumindo então as funções de técnica superior e dirigente do Ministério da Educação, sendo, sucessivamente, correspondente em Portugal do centro de formação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), directora nacional dos serviços de formação profissional do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), presidente da Comissão Nacional de Aprendizagem (CNA), directora-geral da COPRAI (Associação Industrial Portuguesa, AIP); presidente da Comissão Inter-ministerial do Programa «Educação para Todos» e presidente da direcção da Agência Nacional para a Educação e a Formação de Adultos (ANEFA). É licenciada em «História», tem o curso superior de «Ciências Pedagógicas», uma pós-graduação em «New Methods for Vocational Education, Research and Evaluation», pela Ohio States University (Estados Unidos), e é mestre em «Gestão do Desenvolvimento e Cooperação Internacional». Lecciona actualmente na Universidade Autónoma de Lisboa (UAL), onde é coordenadora científica de dois MBAs Executivos da Escola de Gestão & Negócios (EG&N), depois de durante alguns anos ter sido a directora de toda a business school.

terça-feira, 22 de maio de 2007

Mediterrâneo RH (8)

Mesmo «de dentro» do Mediterrâneo, o representante de Chipre; participou no projecto «Ágora RH» (explicação do projecto no post 1 sobre este tema) como observador.

Artemis Artemiou (Chipre)
«Há muitas questões políticas que é preciso resolver.»

Artemis Artemiou é o presidente da Associação Cipriota de Recursos Humanos (CyHRMA). Trabalha no Banco de Chipre, na Divisão de Recursos Humanos, onde é responsável de formação e desenvolvimento.
O que é que me pode dizer da associação de profissionais de recursos humanos do seu país?
A associação representa os profissionais de recursos humanos em Chipre, incluindo formadores, especialistas em relações laborais e industriais, membros de sindicatos… Temos cerca de 430 membros individuais e 15 das maiores organizações de Chipre como membros colectivos.
Está a falar-me da parte sul da Ilha, a parte grega?
Sim,
É a parte maior?
Sim, e a mais avançada. Temos alguma cooperação com os turcos cipriotas, com os profissionais de recursos humanos dessa parte, mas eles não têm uma associação organizada. Conhecemo-los e falamos com eles.
Chipre é um país em que…
É um país em que a maioria da população é composta por gregos cipriotas, de nacionalidade cipriota; cerca de 82% falam grego, e 18% falam turco.
Então, a parte turca da ilha é uma espécie de outro país?
Não, toda a ilha é um país independente. O que acontece é que houve problemas em 1974 e a Turquia invadia militarmente a parte norte. A população estava misturada por todo o lado. Depois da invasão, os turcos cipriotas foram para norte e os gregos cipriotas foram para sul. O governo é para todo o Chipre; na década de 1980, quiseram criar um estado separado no norte, disseram «temos o nosso governo», ou seja, quiseram fazer um outro pequeno estado, mas ninguém o reconhece. A situação está assim. Isto cria alguns problemas, para os quais não vejo solução.
Que tipo de empresas é que há na parte norte da ilha?
Empresas não muito desenvolvidas. A maior parte das grandes empresas está no sul. Os grandes bancos…
A vossa associação tem membros do norte?
Não. No norte existe uma espécie de associação, mas é muito pequena e não está desenvolvida. Falamos com eles, cooperamos nalguns estudos.
Ou seja, os problemas políticos acabam por afectar tudo?
Sim, e também a nossa cooperação com os turcos cipriotas. É difícil… Nem há ligação telefónica directa. Ir ao norte tem que se lhe diga, é preciso passar a linha de divisão, o check point, tipo aquele que havia em Berlim no tempo das duas Alemanhas. Do lado norte revistam tudo, do lado sul a mesma coisa; é como ir a outro país.
E o que é que acha que vai acontecer no futuro?
Como disse, não vejo uma solução, nem como poderão encontrá-la. Talvez as coisas passassem por uma federação, como a Suiça, mas são 900.000 pessoas; vai-se fazer uma federação com 900.000 pessoas…
Você está aqui a participar como observador num projecto que tem a ver com o Mediterrâneo. É um projecto em que parece existir uma grande cooperação. Não lhe parece que os problemas vêm sempre das confusões dos políticos?
O projecto integra a parte ocidental do Mediterrâneo, e é preciso trabalhar com todo o Mediterrâneo para ver como as coisas funcionam. Este espaço tem muitos problemas; há o conflito entre Israel e a Palestina, há a situação no Líbano, o problema da Turquia com Chipre e com a Grécia, depois a Macedónia em relação à qual a Grécia coloca problemas… Há muitas questões políticas que é preciso resolver, questões em relação às quais se deve ter novas perspectivas. Mas este projecto é muito, muito importante. Porque nós queremos saber o que se passa no Mediterrâneo. Não quer dizer que seja um espaço homogéneo, e é preciso ver as diferenças. A maneira como o projecto tem sido desenvolvido é interessante, porque há diversos contributos, dá-se a conhecer as melhores práticas de alguns países.
Vocês, para já, são apenas observadores...
Sim. Fomos convidados para isso, e esperamos no futuro participar plenamente. Os resultados, de certeza, serão úteis para o meu país.
Sei que viveu nos Estados Unidos…
Sim, durante oito anos, e estudei em Inglaterra.
Que contributo pode resultar dessas suas experiências para um pequeno país como Chipre?
Bom, em Chipre, ao nível das empresas, o modo de trabalhar é claramente europeu. Refiro-me aos gregos cipriotas, e antes da invasão era também assim em relação aos turcos cipriotas. As nossas empresas têm uma gestão como as da Europa ocidental.

domingo, 13 de maio de 2007

Uma história exemplar

Creio que devem ser poucas as pessoas em Portugal que não ouviram já falar do Paulinho, o técnico de equipamentos do Sporting que a cada golo da equipa aparece invariavelmente a abraçar o treinador Paulo Bento. Em tempos escrevi a história da sua contratação, que me foi contada pelo meu amigo Carlos Antunes, precisamente um dos seus protagonistas.

A contratação do Paulinho

Carlos Antunes, um homem com uma longa passagem pela gestão de recursos humanos quer em instituições privadas quer públicas, passou também pela gestão de recursos humanos de um dos principais clubes do futebol português, o Sporting. Quando desafiado a contar uma história ligada à gestão das pessoas no mundo do pontapé na bola, lembrou-se da contratação do Paulinho.

Talvez desse logo para pensar na contratação do famoso Paulinho Cascavel, que ainda por cima chegou ao Sporting em 1987, aquando da passagem de Carlos Antunes pelo clube. Mas não. Atente-se no que conta Carlos Antunes…
«Na direcção presidida pelo já falecido Amado Freitas, o mandato de 1986 a 1988, um dos vogais, prestigiado sportinguista e meu particular amigo, Rogério Beatriz, convidou-me para o cargo de director de pessoal. O curioso é que embora sob essa designação, e tratando-se de um lugar não remunerado e exercido em part-time, se aproximava daquilo que muitos hoje defendem ser o verdadeiro papel do gestor de recursos humanos nas organizações, que é o de ser consultor das administrações e dos restantes directores na gestão dos respectivos recursos humanos. O que não admira, se pensarmos que aquela direcção foi também a primeira a tentar ensaiar um novo tipo de gestão profissional ao nível de um clube em Portugal, sem dependências de mecenas. Este convite naturalmente que me deixou feliz, uma vez que isso me proporcionava a possibilidade de colaborar com o meu clube de sempre. Costumo dizer na roda dos meus amigos que antes de ser português já era sportinguista... Isto deve ser entendido na perspectiva de alguém nascido em África, em Moçambique, nos anos 50 do século passado; o ideal sportinguista, bem como dos outros clubes portugueses, nomeadamente do Benfica, do Porto e do Belenenses, era vivido através dos relatos via Emissora Nacional ou das deslocações no defeso da temporada das principais equipas de futebol... Eram das bem poucas referências que nos ligavam à então denominada metrópole.»
Mas voltemos ao Paulinho. O Cascavel, chegado de Guimarães com o estatuto de melhor marcador do campeonato, haveria de repetir a façanha, sem que isso levasse o Sporting a conquistar o título de campeão de forma a interromper um longo jejum de meia dúzia de anos. Longo, dizia-se naquela altura, porque a verdade é que ninguém imaginava que ainda estavam para vir mais dois jejuns iguais, até ao ano 2000. Enfim, adiante... A verdade é que foi durante o mesmo mandato da chegada de Paulinho Cascavel a Alvalade que por lá aportou um outro Paulinho. Paulinho, apenas assim, sem apelido de cobra como complemento, tão pouco de lagarto, ou de qualquer outro bicho parecido (o que até nem seria caso de espantar, num futebol que tem assistido ao desfile de preciosidades como o Cobra propriamente dito ou até o Jacaré). O Paulinho apenas Paulinho haveria de se tornar conhecido não pelas façanhas no relvado (embora tenha acabado por protagonizar algumas), mas como técnico de equipamentos.

A grande contratação
Conta ainda Carlos Antunes... «Toda a gente ligada ao fenómeno do futebol conhece o Paulinho, o roupeiro. Hoje a designação parece ser a de técnico de equipamentos, mas esta questão da modificação das designações funcionais a que vamos assistindo é outro problema que não cabe aqui ser analisado. O Paulinho, o roupeiro da equipa principal de futebol do Sporting... Pode mesmo dizer-se que ele é o único elemento que ombreia em popularidade e mediatismo com os futebolistas, o que não acontece nas restantes equipas do nosso futebol. Haverá alguém capaz de se lembrar do nome do roupeiro do Benfica, ou do nome do roupeiro do Porto?»
Pouca gente, por certo. Assim como pouca gente conhece as circunstâncias em que se processou «a contratação do grande Paulinho». De novo Carlos Antunes... «No decurso da minha passagem pelo Sporting, fomos contactados, eu e a então chefe de secção de pessoal, Fernanda Simões, por uma instituição de deficientes no sentido de saber até que ponto poderíamos colaborar na recuperação de um dos seus alunos, cuja característica principal era a de que se tratava de alguém cuja referência e cujo modo de lhe fixar a atenção ter a ver unicamente com tudo o que se relacionava com o Sporting.»
E então, um belo dia...
«... apareceu-nos em Alvalade a responsável da instituição, acompanhada do Paulo Gama, que na altura, se bem me lembro, tinha 16 anos. Todos constatámos logo o ar de felicidade estampado no rosto do rapaz por se encontrar em Alvalade; era certamente a realização dos seus sonhos. A responsável da instituição queria que analisássemos em conjunto a questão, ou seja, estava vago o lugar de roupeiro da equipa de futebol dos juvenis. As funções eram arrumar os equipamentos provenientes da lavandaria, limpar e engraxar as botas, etc. Ficou logo acertada a contratação do rapaz para o lugar.»
Numa primeira fase, ainda que se deslocasse diariamente às instalações do clube, para a prestação dos serviços atrás referidos, o Paulinho continuou entregue aos cuidados da instituição, a quem de resto o Sporting pagava a remuneração da sua colaboração. «O que interessa relevar é que, na sequência dos traços psicológicos detectados e das tarefas que lhe foram dadas, o Paulinho revelou desde o início uma enorme motivação; e, certamente como consequência, uma enorme dedicação e um enorme profissionalismo no exercício do cargo. Isso permitiu-lhe, já muito tempo depois da minha saída, a promoção ao lugar de técnico de equipamentos da equipa de futebol profissional, com um estatuto que só ele possui em Portugal.»
Trata-se, sem dúvida, de um história feliz. «Uma história dos recursos humanos no futebol, em que foi possível, através do desporto e de um ideal, o de pertencer ao Sporting, proceder à recuperação integral de um deficiente. Uma pessoa que, para além de ter demonstrado capacidade para o exercício de uma profissão, superou através dela o essencial da sua deficiência, tornando-se, e isto é o mais importante, autónomo, não dependente, e plenamente integrado na sociedade.»
Ninguém duvida, com toda a certeza, de que foi uma grande contratação. Quanto ao Paulinho goleador, referido no início, ao que se sabe tornou-se fazendeiro, criador de gado. No Brasil, no lugar onde nasceu, a cidade de Cascavel.

Carlos Antunes é licenciado em «Direito» pela Faculdade de Direito de Lisboa e pós-graduado em «Políticas de Desenvolvimento e Gestão de Recursos Humanos (pela UAL) e em «Marketing Público e e-Government» (pelo ISCEM). Iniciou a actividade profissional em 1974, como técnico do Gabinete de Relações de Trabalho do Ministério dos Transportes e Comunicações, tendo exercido até 1982 diversas funções na Administração Pública (nomeadamente as de adjunto do secretário de Estado dos transportes e do ministro da República dos Açores) e de gestão na área dos Recursos Humanos em organismos públicos. Transitou depois para o sector privado, onde exerceu as funções de director de pessoal da Hidroeléctrica de Cahora Bassa (de 1982 a 1996) e de director de recursos humanos do Instituto das Comunicações de Portugal (ICP, depois ANACOM; de 1997 a 2002). Actualmente é quadro superior no Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social. Mantém um blog denominado «Choachibata».

domingo, 6 de maio de 2007

Mediterrâneo RH (7)

Um entrevistado de fora do espaço do Mediterrâneo, ainda do projecto «Ágora RH» (explicação do projecto no post 1 sobre este tema). É do Senegal…

Alioune Faye (Senegal)
«Um pouco de calor em casa pode ser a felicidade.»

Alioune Faye, secretário-geral da Associação Nacional de Directores e Chefes de Pessoal (ANDCP) do Senegal, é também vice-presidente da Federação Africana de Recursos Humanos (AFDIP). Trabalhou numa empresa durante 15 anos, tendo saído em finais de 2005 para, como diz, «alargar horizontes»; dedicou-se à formação, acabando por criar um centro de desenvolvimento profissional onde organiza acções de formação, sobretudo ligadas a gestão de recursos humanos, e através do qual acompanha boa parte do que se faz nesta área no Senegal.
O senhor é vice-presidente da Federação Africana de Recursos Humanos, a AFDIP…
Sim, exactamente. O Senegal é um dos membros fundadores dessa federação, uma federação de formadores e directores de pessoal; fundámo-la com Marrocos, a Tunísia e a Costa do Marfim. Eu sou vice-presidente. A presidência é rotativa; actualmente é a Tunísia que preside, na pessoa da senhora Zeyneb Attya Mahjoub. Ela organizou a terceira edição das «Jornadas Africanas de Recursos Humanos», e agora é o Senegal a organizar a quarta edição [já se realizou entretanto]; nessa altura, a presidência passará para um senegalês.
Não têm contacto com os países africanos de expressão portuguesa?
Ainda não houve contactos. Mas gostaríamos que houvesse proximidade em relação a Cabo Verde, Guiné-Bissau…
E em relação a Angola e Moçambique?
Bem, existia o problema da guerra, e além disso estão mais longe da nossa zona de influência. Gostaríamos que viessem ter connosco, mas não sabemos se eles vão trabalhar mais com a África do Sul.
Que ligação é que o Senegal tem com o Mediterrâneo?
Há pontos de vista comuns em matéria de recursos humanos. Eu estudei no sistema francês, devido à presença francesa no Senegal. Tivemos a independência em 1960. A minha forma de pensar, os meus comportamentos, tudo é francês. Como acontece, por exemplo com os argelinos, apesar da guerra de libertação. Esta é, se quiser, uma aproximação. Um segundo aspecto tem a ver com o facto de partilharmos muitas coisas coma a religião, o facto de certos países mediterrânicos pertencerem a África e serem nosso vizinhos; há como que uma ponte entre a África sub-sahariana e o Mediterrâneo. Fui convidado para colaborar com o projecto para dar um ponto de vista africano; pode ser que no futuro até possamos, os senegaleses, participar mais activamente.
O que pensa das barreiras que existem no Mediterrâneo em relação às pessoas? Ou antes, o que pensa do facto de ser possível passar da Europa para África e não o contrário?
Isso faz com que seja necessário criar um mundo um pouco mais equilibrado, onde a riqueza seja partilhada de forma justa, onde não haja lugar para a pobreza… Uma pobreza que é rejeitada pelos ricos, que é a realidade de hoje, porque os países ricos não querem a população dos países pobres, e não têm dúvidas acera disso. É algo que temos de rever, para que haja uma nova atitude, uma nova posição, e seja regulado este problema económico.
Mesmo a Europa sendo composta maioritariamente por países ricos, vê alguma diferença na atitude que tem em relação aos pobres, comparando com os Estados Unidos?
Os comportamentos são os mesmos; há uma fronteira e não se pode entrar. Nos Estados Unidos se se entra é-se perseguido, na Europa a mesma coisa. Mas é preciso dizer que a atitude dos Estados Unidos em relação aos países emergente, pobres, ainda revela muitos tiques de imperialismo.
Que a Europa não mostra?
Sim, a Europa gere o seu espaço, criou um espaço para se construir, para conseguir fazer face aos Estado Unidos; eles têm mais meia centena de estados, aquilo é imenso, por isso é preciso outro espaço assim grande, poderoso em termos económicos, industriais e sociais, para fazer face aos Estados Unidos. A verdade é que hoje os países africanos são bem acolhidos pela China…
Então, destaca três grandes espaços, Estados Unidos, Europa e China, ou melhor, o oriente?
Exactamente.
Qual é o papel do oriente?
Olhe, actualmente, em Dakar, temos a ‘chinatown’. Os chineses estão a sair. A mundialização já não tem fronteiras.
E o que é que África pode fazer em tempos de mundialização, a que também chamam globalização?
Em África não há produção industrial. É tudo importado. E como os chineses fazem produtos a baixo preço, embora a qualidade por vezes seja baixa, há outro nível de desenvolvimento, e as pessoas ficam satisfeitas com isso. É a felicidade de ter uma casa com ecrãs gigantes nos quartos, com tudo o que há de novas tecnologias, num pequeno bairro, com vista agradável. Bom, a felicidade é muito relativa. Não é preciso ter grandes coisas para ser feliz, um pouco de calor em casa pode ser a felicidade.
Qual é o futuro de África? A África sub-sahariana…
A África negra?
Sim.
O continente é muito rico. As novas gerações devem mostrar que África será um continente com futuro; conquistando mercados, impondo as suas matérias-primas, porque hoje há défice nas trocas. Mas é preciso que tenhamos um pouco mais de visibilidade, de apoio, para corrigir este desequilíbrio em termos das trocas. Nessa altura as coisas estarão bem, porque África é rica, do ponto de vista do subsolo, e socialmente também.
E que opinião tem sobre os políticos africanos?
Tem havido uma evolução. Os de hoje já não são como os da década de 1960. Porque a democracia vai-se instalando pouco a pouco, nalguns casos de forma duradoura. No Senegal, tivemos uma transição pacífica. O Benin também teve. Cada vez mais os países africanos estão em vias de ter uma nova visão da democracia. Comportam-se melhor a esse nível. E no plano dos direitos humanos a mesma coisa. Acredito que África se distinguirá. Sem guerras tribais, de secessão.
Sabe que nos países de expressão portuguesa há muita corrupção? No caso de Angola é endémica, com o povo pobre e os políticos ricos.
Se for ao Senegal verá que não há riqueza a partilhar… O problema é que onde há petróleo e diamantes há conflitos, uns internos e outros que vêm do exterior, do imperialismo. Connosco não há esse problema; é verdade que os políticos vão enriquecendo, mas enfim, não há muita riqueza para partilhar, o que há mais para partilhar é pobreza. Mas nos países com muitos recursos naturais é lamentável que aconteça tanta corrupção.
Concluo que está satisfeito com os seus políticos…
Isso aí depende sempre do lado em que se está. Há os governantes e os opositores. Uns a dizerem uma coisa, outros a dizerem outra.
Mas, em geral, os políticos do seu país são gente séria?
É difícil dizer se o governo é sério ou não.
Há corrupção?
Bom. Corrupção há em todo o mundo.
A comunicação social é livre?
A comunicação social é extremamente livre no Senegal, a de cariz político, a de cariz económico, etc.
Os jornais, por exemplo?
Sim, tudo. Não temos problemas a esse nível no Senegal. O que falta é um pouco de formação, de partilha de informação; precisamos de comunicar melhor, para que todos tenhamos o mesmo valor. É algo para fazer de uma forma suave, lentamente, par que possa dar frutos.

quinta-feira, 3 de maio de 2007

As empresas e o futebol

Em tempos entrevistei Filipe Soares Franco (trabalho feito em conjunto com a jornalista Ana Leonor Martins). Foi em Abril do ano passado, para a revista «Pessoal». Filipe Soares Franco tinha-se demitido da presidência do Sporting e aguardava pelos resultados das eleições que iram decorrer dentro de poucos dias. Para ver se voltava a presidente. Voltou, como se sabe. Aqui fica a entrevista, misturando empresas com futebol.


Filipe Soares Franco
A notoriedade nem sempre positiva

Com uma carreira empresarial de quase três décadas, iniciada logo depois de terminado o curso de Gestão, e com algumas passagens pelo futebol, Filipe Soares Franco assumiu um enorme protagonismo desde que substituiu António Dias da Cunha na presidência do Sporting, e sobretudo desde as propostas relacionadas com o património do clube que o levaram inclusive a pedir a demissão, com a consequente convocação de eleições. Confissões de um líder que se desmultiplica entre o mundo dos negócios e o mundo do futebol, e que acha importante realçar que a notoriedade proporcionada por este último «nem sempre é positiva».

Esta entrevista foi feita poucos dias antes das eleições antecipadas para a presidência do Sporting, às quais Filipe Soares Franco se apresentou como candidato – a foto ao lado foi tirada poucas horas depois do anúncio oficial da candidatura, em conferência de imprensa (Filipe Soares Franco aparece na sede de uma das empresas a que preside, a construtora OPCA, que tal como a sede do Sporting fica no Edifício Visconde de Alvalade, precisamente um dos tão falados «activos» que integravam o seu projecto de venda do património imobiliário do clube). O mundo empresarial e o mundo do futebol dominaram a conversa. Descubra a seguir alguns pontos de contacto entre os dois.

Com os cargos de topo que tem no mundo empresarial, em empresas com relevância nomeadamente em termos de actividade económica e de emprego, como avalia as suas responsabilidades de liderança?
Quanto mais elevada é a posição que assumimos numa organização, maior vai sendo a componente liderança e menor a componente técnica da nossa função. O meu papel nas organizações a que presido é, mais do que tudo, um papel de liderança de uma equipa de pessoas que assumem um objectivo comum e que trabalham em conjunto todos os dias para o atingir. Escolher as pessoas certas, fornecer-lhes uma visão, motivá-las para uma missão, acompanhá-las, avaliá-las e recompensá-las são, para mim, os principais papéis de um líder de uma equipa.
Sente que o papel do líder, numa empresa, pode ter mudado nos últimos anos? Por exemplo, como vê novos factores como a globalização, a concorrência acrescida, as pressões ambientais, a responsabilidade social, a ética empresarial ou a importância que cada vez mais se reconhece ao capital humano para o sucesso de uma organização?
Na minha opinião, o papel de líder tem-se mantido no essencial. O que está a mudar muito é o papel do gestor. Os factores que referem – e que são de enorme importância – estão a ter um forte impacto no papel do gestor actual. A complexidade no mundo empresarial e as novas exigências da sociedade em que vivemos tornaram a gestão empresarial extremamente complicada. Estas dificuldades só podem ser ultrapassadas através do trabalho em equipa de profissionais com competências multidisciplinares, o que veio dar ainda mais valor à capacidade de liderar equipas. Hoje, seja qual for o sector de actividade, é impensável conseguir ter sucesso individualmente. Só com pessoas talentosas, a trabalharem em equipa e focalizadas num objectivo comum, é possível responder aos desafios que vão surgindo.
No caso particular de uma das empresas, a OPCA, a cujo Conselho de Administração preside, que mudanças realça em termos do que é pedido ao seu máximo responsável?
A OPCA situa-se num sector de actividade que tem vindo a passar por momentos muitos difíceis nos últimos anos. Basta dizer que desde há cinco anos que o mercado de construção civil e obras públicas tem vindo a decrescer de ano para ano. Felizmente, a OPCA tem vindo a ultrapassar estes anos com bastante sucesso, o que se deve, entre outras razões, ao facto de termos implementado medidas de gestão das pessoas que passam por um grande rigor, por um lado, mas também por um forte investimento no nosso capital humano. O posicionamento estratégico e o modelo de negócio que definimos para a OPCA passa por ter pessoas cada vez mais qualificadas e isso exige um estilo de gestão e liderança que não pode ser o que era tradicional no sector.
E quanto a mudanças em relação aos colaboradores em geral?
As dificuldades de um mercado cada vez mais competitivo levam a que as pessoas necessitem de reforçar permanentemente as competências que já têm e também a adquirir novas competências, mais rapidamente do que a concorrência.
Quais são as principais preocupações na definição da política de recursos humanos da empresa? E que importância atribui a essa política dentro da empresa?
Como já se percebeu das minhas palavras anteriores, atribuo uma enorme importância à gestão das pessoas. A OPCA fez uma grande investimento nesta área ao recrutar e integrar na sua Comissão Executiva um dos mais conceituados profissionais desta área, José Bancaleiro [entretanto saiu para o Banco Finantia], que tem vindo a desenvolver de raiz um processo integrado de gestão do capital humano, cujos resultados já começam a aparecer. Está a ser criada uma nova cultura, a que chamamos «SerOPCA» e cujos pilares são o envolvimento e o desenvolvimento das pessoas e a contribuição para o negócio – objectivos ambiciosos. Toda a politica de recursos humanos tem que estar integrada e contribuir para os objectivos estratégicos da empresa.
Nos últimos anos, alguns dos líderes empresariais têm-se tornado figuras conhecidas junto do grande público, muito à custa do facto de a economia também marcar a agenda da comunicação social. No entanto, esse mediatismo raramente ultrapassa o de líderes políticos ou desportivos, nomeadamente do futebol. Tendo em conta até a sua experiência pessoal, como explica esta situação?
Não concordo com a afirmação. Existem muitos líderes empresariais que são tão ou mais conhecidos do grande público que os que estão ligados á politica ou ao futebol. O futebol, sendo um grande espectáculo, é por natureza uma área em que existe muita exposição e, consequentemente, há uma grande notoriedade. É importante realçar que esta notoriedade nem sempre é positiva. São conhecidos casos de pessoas que foram muito prejudicadas profissionalmente por essa exposição mediática. Em contrapartida, não conheço casos em que a exposição mediática dada pelo futebol tenha trazido grandes vantagens a nível empresarial.
Se o futebol não tivesse passado pelas transformações por que tem vindo a passar, nomeadamente com o aparecimento das sociedades anónimas desportivas (SAD), a gestão profissional e outras situações que o colocam mais perto do mundo empresarial, o senhor teria alguma vez assumido o protagonismo que assumiu?
Não sei. Como já disse, a minha ligação ao Sporting tem mais razões emocionais – razões do coração – do que racionais. De qualquer forma, acho que os clubes de futebol não sobrevivem se não tiverem uma gestão profissional, e esse é o meu ambiente.
Tem sido frequente o aparecimento de figuras associadas a um certo populismo que são vistas como a salvação de um determinado clube. Já a a emergência da sua figura como muito importante para o futuro de um clube é justificada por algumas pessoas com a referência a outros factores, como a credibilidade ou a capacidade de gestão. Pode-se dizer que o seu caso é uma excepção, ou é possível encontrar outros?
Não conheço em profundidade os outros para dar uma resposta devidamente fundamentada. No caso do Sporting, é evidente que a solução não passa por salvadores milagrosos, mas sim por medidas de gestão bem planeadas, implementadas e controladas.
Passará por casos como o seu a liderança dos clubes profissionais de futebol?
Não sei. Cada caso é um caso.
O que é que se pode levar do mundo das empresas para o futebol em termos de gestão das pessoas?
Muita coisa. Penso que o mundo do futebol tem muito a ganhar com o rigor e o profissionalismo na gestão do capital humano que existe em algumas empresas. Isto não significa que o que se faz nas empresas possa ser aplicado directamente ao mundo do desporto. Existe um conjunto de factores específicos que desaconselham a «adopção» mas aconselham a «adaptação». Estou certo de que as empresas também tinham a ganhar se olhassem para algumas experiências que têm acontecido nos clubes desportivos como uma fonte de aprendizagem.
Como acha que se pode compatibilizar com esse universo – o do futebol –, onde impera o factor emocional, a racionalidade tradicionalmente associada aos contextos empresariais?
Esse é um dos factores específicos que caracteriza o mundo dos clubes que tem de ser tido em conta. De qualquer forma, hoje na gestão sabe-se que a emocionalidade e a racionalidade não existem uma sem a outra. Provavelmente, existe mais emocionalidade nas empresas do que aquilo que julgamos e também mais racionalidade nos clubes do que aquela que parece existir numa primeira análise.
Por falar em factor emocional, como são tidos em consideração em termos da gestão das empresas a que está ligado? O futebol, por exemplo, ensinou-lhe alguma coisa nessa área?
O factor emocional sempre esteve presente na minha vida pessoal e profissional. O futebol, quando muito, reforçou a importância desse factor em determinados contextos.
Um ponto de contacto entre o futebol – ou falando até em termos mais amplos, o desporto – e o mundo empresarial tem sido precisamente a importação de alguns conceitos para a gestão das organizações, ligados nomeadamente à motivação, à liderança, ao trabalho em equipa – acabou até de referir que as empresas ganhariam se olhassem para experiências de clubes desportivos como uma fonte de aprendizagem. Esta ideia sempre foi algo natural para si, que desde há muito conhece os dois campos, ou houve um momento particular em que como líder empresarial e apercebeu disso?
Como gestor e como empresário sempre tive consciência dos factores referidos. A minha experiência como dirigente desportivo veio reforçar alguns desses aspectos, em especial o da importância do trabalho em equipa. Os talentos individuais são importantes, mas são as equipas que ganham os jogos.
Com a sua experiência de liderança de projectos empresariais e de um projecto desportivo como o do Sporting – depois da saída de António Dias da Cunha –, como explica o que é o sucesso em cada um dos casos?
O sucesso passa em ambos os casos, essencialmente, por definir objectivos ambiciosos e atingi-los.
Tem consciência de que o futuro de um líder no desporto, e neste caso particular no futebol, é sempre incerto? E no mundo das empresas?
É incerto em ambos os casos, mas mais no caso do futebol.
Quando não estiver no mundo do futebol, ainda o veremos no mundo das empresas?
Espero que sim. É pelo menos essa a minha intenção.

Filipe Soares Franco (n. Lisboa, 1953) é licenciado em «Gestão de Empresas» pela Universidade Católica Portuguesa. Desde que concluiu o curso, em 1979, foi sucessivamente administrador do Grupo Vista Alegre, administrador-delegado e director-geral do Grupo Terrazul SGPS, vice-presidente da Ameritech International Portugal e administrador da Gil Y Carvajal & Gras Savoye. Actualmente, é presidente do Conselho de Administração da OPCA – Obras Públicas e Cimento Armado SA, presidente do Conselho de Administração da Saibrais (filial portuguesa do grupo francês DAM – Denain Anzin Minéraux SA), administrador da Pinto Basto SGPS, presidente da Associação Nacional de Empreiteiros de Obras Públicas (ANEOP) e presidente do Conselho de Administração de Aleluia Cerâmicas SA. A presidência do Sporting Clube de Portugal, após a demissão de António Dias da Cunha em Outubro de 2005, tornou-o um dos líderes portugueses mais mediáticos.

terça-feira, 1 de maio de 2007

Edição de Maio

Revista «Pessoal» de Maio, o número 57. O alto-comissário para a Imigração e Minorias Étnicas, Rui Marques, é a figura de capa (há uma entrevista com ele, bem grande, por sinal). O meu editorial está já aqui abaixo. (clicar na imagem para aumentar)

As coisas pela positiva
Este título é roubado. Roubei-o a mim próprio, de um dos habituais posts que coloco num dos meus blogs. Aí, costumo escrever uma pequena nota depois de cada jogo do Sporting. Há pouco tempo, a seguir à vitória em casa do Porto, o título do meu post era este, e no post propriamente dito desenvolvia a ideia, esquecendo as embirrações com dois ou três jogadores da equipa que considero bastante maus. A vitória (no momento em que escrevo não se sabe nada, com o Sporting de visita ao Benfica e a quatro pontos do Porto) pode não ter valido de muito, mas eu na altura preferi pensar que poderia valer tudo, até o campeonato. E ver as coisas pela positiva.
Não cheguei a essa conclusão naquele momento, depois do fantástico pontapé que deixou os jogadores do Porto presumo que sem saberem bem o que dizer. Claro que não foi isso. Mas esse momento juntou-se a muitos outros que me têm feito pensar em dar importância às coisas boas, muita importância, pondo as más de lado sempre que possível.
Uma vez, num artigo – e creio que aqui já referi o caso – contei algo que me aconteceu no primeiro emprego após ter acabado o curso. Foi num banco. Fui atropelado junto à porta da sede, quando numa manhã ia a entrar, e os bombeiros levaram-me inconsciente para o hospital; a minha família vivia longe e no posto da polícia da zona não havia possibilidade de fazer chamadas interurbanas (e os telemóveis estavam apenas a aparecer). A custo, um dos agentes conseguiu que do departamento de recursos humanos fizessem a chamada; foi a única colaboração que tive do banco. Acabei por recuperar ao fim de 15 dias. Voltei ao banco para dizer que não queria lá continuar.
Uma amiga, comentando o artigo, contou um caso que ia quase dar ao mesmo. Escreveu assim... «Aconteceu-me algo parecido num banco onde trabalhei. No fim de um extenuante dia de trabalho – em ‘stress’ provocado por uma decisão incorrecta da chefe do departamento e com prazos para o Banco de Portugal, que já tinha avisado que iria impor coimas à instituição se não reportássemos naquele dia, por volta da meia-noite, sem ter jantado, tive o primeiro episódio de desmaio da minha vida. Perante isto, uns colegas ajudaram-me e trouxeram-me um iogurte perdido no frigorífico para me reanimar e a chefe perguntou se eu já estava melhor. De seguida continuei a trabalhar até à uma da manhã. Ninguém se ofereceu para me levar a casa, ninguém me mandou imediatamente para casa, e foi pelas minhas próprias pernas que o fiz, apanhando um táxi que ninguém me pagou. No outro dia lá estava de novo às nove da manhã. A partir desse dia, enviei currículos e auto-propostas como uma maluca e jurei a mim mesma que nunca mais trabalharia numa instituição onde houvesse tão pouco respeito pelo género humano. Em pouco tempo estava a trabalhar noutro lado.»
A minha ideia sobre o mundo das empresas sempre foi mais para casos como estes dois. Mas ultimamente tenho procurado ver as coisas pela positiva. Tanto que já dou comigo a pensar que as excepções não são as coisas boas mas os casos de instituições idiotas e de gente atrasada como os dois bancos atrás referidos. Penso que há empresas onde verdadeiramente se pode dizer que é bom trabalhar. Talvez por isso tenha trazido essa ideia para o dossier que ocupa boa parte da presente edição. A de que há boas empresas para se trabalhar. Uma ideia que, curiosamente, fica bem ao lado das que defende Rui Marques, o alto-comissário para a Imigração e Minorias Étnicas, numa longa entrevista. É com ele que fazemos a capa.