terça-feira, 9 de dezembro de 2008
Projecto «human»
sexta-feira, 17 de outubro de 2008
Duas edições da «Pessoal»
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O encontro
A edição de Novembro. Surge bem mais cedo do que o habitual devido à realização do «Encontro Nacional da APG», que costuma decorrer precisamente nesse mês mas que este ano tem datas marcadas logo em Outubro, a 22 e 23, no Porto. Esta edição da «Pessoal», que tem na capa uma figura do norte, será aí distribuída.
A figura é Daniel Bessa, que entrevistámos a propósito do tema «a ligação entre as universidades e as empresas»; é um trabalho complementado com o depoimento da responsável pelos Serviços de Carreira da instituição de ensino que o antigo ministro da Economia agora dirige.
Quero ainda destacar alguns temas da edição… Um especial sobre call centers, várias entrevistas – por exemplo, uma com um especialista em planos e fundos de pensões, outra sobre outsourcing de recursos humanos e outra com um velejador que tem levado um pouco por todo o mundo aquilo que Portugal tem de realmente bom. E também um estudo sobre blended learning em Portugal, uma reflexão sobre as mulheres e a carreira, o testemunho de Márcia Trigo – a primeira presidente da Comissão Nacional de Aprendizagem – e a história de uma parceria de sucesso de duas consultoras que dedicam particular atenção à gestão das pessoas nas organizações. Além de um destaque muito especial, o perfil de Mário Ceitil, um dos mais prestigiados especialistas portugueses em recursos humanos.
Depois, o habitual dossier, que tem como tema, precisamente, o próprio «Encontro Nacional da APG». Não a edição deste ano, a quadragésima primeira, mas esta realização em termos históricos. O encontro que acontece a cada ano, desde 1967 (ainda eu não era nascido), três anos a seguir à criação da Associação Portuguesa dos Gestores e Técnicos dos Recursos Humanos (APG) por um pequeno grupo de profissionais; com um nome diferente, mais de acordo com a terminologia da época, mas a mesma associação. No dossier o que apresentamos é uma retrospectiva do que têm sido as várias dezenas de edições do encontro, a partir de um livro que foi publicado no final de 2004 pela associação, na altura em que comemorou 40 anos de existência; e também o testemunho dos primeiros tempos dessa aventura, e do primeiro encontro, com o excerto de uma entrevista que também para esse livro foi feita a um dos fundadores, Raúl Caldeira, o primeiro presidente. Boa parte da história da gestão das pessoas nas empresas do nosso país está no percurso da APG, está no que se foi dizendo ano após ano naqueles encontros; está nas figuras que ajudaram a construir a associação, por tudo o que foram capazes de construir também na sua profissão.
Talvez esta seja a edição mais adequada para me despedir de tanta gente que sempre me ajudou neste projecto. É a última da «Pessoal» em que participo, 75 números depois no caminho iniciado em Agosto de 2002. Muita gente me ajudou neste projecto. Na minha despedida fica sobretudo um profundo agradecimento, a todas essas pessoas, que mesmo sem terem aqui o nome tenho a certeza de que sabem que esse agradecimento é para elas. Não conseguiria colocar todos os nomes no espaço desta página, porque foram mesmo muitas as pessoas. Este projecto, para mim, agora que olho para trás, foi ele próprio um encontro. E desse encontro, de sete anos, é muito, não tenho dúvidas, aquilo que levo.
A tecnologia e o desenvolvimento das pessoas
O principal destaque desta edição é Mário Figueira, um homem com um percurso muito ligado às novas tecnologias e ao desenvolvimento das pessoas (ou formação, se assim se preferir). Se pensarmos nestas áreas, trata-se sem dúvida de um dos mais conceituados profissionais portugueses; e a entrevista que nos concedeu é bem reveladora disso mesmo. Deixo a seguir pequenos excertos do que nos disse…
– «Está aí uma nova geração de nativos digitais a quem também chamamos ‘homo zappiens’, que tem uma atitude diferente face à tecnologia, comparada com a dos imigrantes digitais. Esta realidade está a ter profundas consequências nos processos de aprendizagem, tornando a colaboração um dos factores determinantes nos modelos pedagógicos.»
– «O Learning 2.0 caracteriza-se por ser um processo conduzido pelos indivíduos que aprendem e não pelas organizações que os querem ensinar ou formar. É a passagem de um modelo de distribuição do conhecimento para um modelo de partilha do conhecimento por colaboração.»
– «As empresas devem procurar criar sistemas de aprendizagem fortemente enraizados nas necessidades de negócio sentidas pelo colaborador no posto de trabalho. Desta forma proporciona-se a construção de conhecimento que possa ser colocado rapidamente ao serviço do cliente.»
– «O desenvolvimento das pessoas será efectuado com base num repositório de conteúdos digitais a partir do qual se criam ofertas transversais de aprendizagem para toda a empresa e ofertas específicas para cada colaborador de acordo com as suas necessidades de desenvolvimento.»
– Seymour Papert disse uma a vez a Al Gore, então vice-presidente dos Estados Unidos, que ao invés de se colocar um computador em cada sala de aula, o governo deveria criar condições para que cada aluno tivesse o seu computador pessoal. Ilustrava este desafio com uma pergunta… ‘O que teria acontecido se, quando foi inventada a escrita, só tivéssemos uma caneta em cada sala de aula para partilhar pelos alunos?»
– «As tecnologias de informação e comunicação têm-se desenvolvido para facilitar a vida das pessoas em sociedade. A formação é responsável pelo desenvolvimento das pessoas e das suas competências. Ter a possibilidade de contribuir para a ligação entre estes dois mundos com o meu trabalho é uma grande satisfação, porque estou a trabalhar para facilitar o desenvolvimento das pessoas.»
Com muitos outros temas se completa esta edição. Destaque ainda para uma reportagem sobre formação de executivos, um dossier sobre outplacement, uma apresentação de caso sobre o tema da mudança, o balanço de uma importante conferência europeia sobre e-learning que teve lugar em Portugal, uma reflexão sobre gestão do conhecimento e a perspectiva de um responsável pela gestão das pessoas de uma multinacional no nosso país sobre como serão os locais de trabalho no futuro.
quinta-feira, 28 de agosto de 2008
Edição de Setembro
Apenas alguma notas
«Na investigação científica, e em especial nalgumas áreas, podemos dizer que estamos entre os melhores. Quanto à vida de um investigador português, ela não difere em nada da vida de um português normal. Acho que sou uma pessoa normal, que gosta do que a maioria das pessoas gostam.» Quem diz isto, sem falsas modéstias mas ao mesmo tempo com uma enorme simplicidade, é uma cientista portuguesa, numa entrevista que publicamos nesta edição da «Pessoal». Trata-se de Elvira Fortunato, que na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa lidera uma equipa que tem feito descobertas surpreendentes. A mesma cientista a quem recentemente foi atribuído o primeiro prémio de Engenharia do European Research Council, um prémio que é considerado como uma espécie de Nobel da área. A entrevista é o principal destaque desta edição, obviamente com honras de capa.
Quanto a outros destaques, algumas notas…
Primeira sobre os três trabalhos com mulheres do mundo das empresas. Sofia Rangel conta a «estória» da instalação em Lisboa de um dual-office do BNP Paribas Securities Services, algo que se irá traduzir na criação de quase três centenas de postos de trabalho e que tem como objectivo assegurar a replicação na capital portuguesa das operações bancárias da instituição, com vista a prevenir problemas decorrentes, por exemplo, de catástrofes naturais ou de um ataque terrorista Também o perfil de Margarida Pena, a directora de recursos humanos da Cofidis, um perfil em que passa imediatamente a ideia de alguém com uma insatisfação permanente e que gosta de fazer sempre mais, e bem. E ainda o equilíbrio entre a vida pessoal e o trabalho de uma consultora que tem uma actividade muito ligada ao coaching para executivos, Aida Chamiça, cujo fascínio pela leitura fez com que os livros, muito mais do que um hobby, se tornassem em algo imprescindível na sua vida.
Também uma nota para um dossier sobre trabalho temporário e outsourcing de recursos humanos, em que se pronunciam quadros de instituições que em Portugal têm uma presença marcante nos dois sectores.
Em terceiro lugar, referência a uma reflexão sobre liderança, ou antes, sobre líderes. Um texto de Rodolfo Miguel Begonha, intitulado «A incerteza das certezas». Os líderes nas organizações; incontroláveis, controversos, vegetais, objectivos; mas também influenciáveis, fundamentados, racionais, anti-gestores; e emotivos, irracionais, totós, amorfos; a verdade é que parece haver um pouco de tudo.
Finalmente, um texto de Fernando Venâncio, um professor universitário português que há muitos anos está radicado na Holanda. Fernando Venâncio, que é também crítico literário, tradutor e escritor, marca com o seu texto o regresso após alguns meses de paragem da secção «Os Meus Trabalhos». A certa altura ele escreve assim… «Tudo quanto se observe em território nacional recebe uma explicação endémica, aconchegante. Mítica, às vezes mitológica, mas fantasiosa de cima a baixo. Ora, o nosso idioma, só por artifício se pode defini-lo como produto ‘nacional’. As suas feições marcantes estavam já decididas, e actuantes, quando sobreveio a ‘nacionalidade’, e teriam sempre existido, mesmo sem ela. Entendeu-me bem: o que chamamos ‘português’ existiria mesmo que não existisse Portugal. Teria sido chamado, sim, o que efectivamente já era de nascença: ‘galego’./ Sei que, exprimindo-me assim, estou a ser inconveniente. Espero demonstrar, um dia, que estou a ser simplesmente sério. Isso vai exigir um livro, ’Português e Companhia’, que, transbordando de amor pátrio, há anos preparo.» Aguardemos o livro então.
Presidente de câmara, um perfil
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Quem ocupa as cadeiras da presidência nos municípios portugueses? Haverá um perfil-tipo? Ou será a diversidade de tal ordem que traçar esse perfil pode ser uma missão impossível? Luís Bento, habitual colaborador da «Pessoal» e profundo conhecedor da realidade do poder local em Portugal, aceitou o desafio.
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Luís Bento é um experiente consultor de gestão, tendo tido ao longo dos últimos vinte anos uma actividade relevante quer em Portugal, quer um pouco por todo o mundo. Tem dedicado particular atenção às questões ligadas à formação, o que o levou a ocupar cargos de topo como o de presidente da IFTDO, a Federação Mundial de Formação e Desenvolvimento. Outra área em que tem actuado é ao nível da gestão autárquica, sendo frequentemente chamado a intervir como consultor um pouco por todo o país, trabalhando directamente quer com dirigentes (presidentes de câmara, vereadores, directores…), quer com outro tipo de colaboradores. É pelo seu conhecimento particular de uma realidade que parece vir a consolidar-se depois de quase três décadas de democracia que resolvi recorrer a ele para me apoiar na elaboração deste trabalho.
Para Luís Bento, «vão longe os tempos dos presidentes de câmara quase analfabetos, pequenos caciques locais, agarrados ao poder a todo o custo, manipulando os eleitores a seu bel-prazer e enriquecendo à custa do erário público». Este era o «retrato fiel da organização político-administrativa do Estado Novo».
Ainda Luís Bento… «O poder local, uma notável criação da democracia portuguesa, possibilitou um enorme desenvolvimento do país num escasso quarto de século, criou e formou, felizmente, uma nova geração de presidentes de câmara, que, de acto eleitoral em acto eleitoral, se vem impondo de forma firme e prestigiante. Podemos dizer que, devido a isso, assistimos nos últimos tempos a um facto sem paralelo: a função de presidente de câmara tornou-se tão apetecível e prestigiante que já encontramos ex-ministros e outros políticos de grande notoriedade a desempenharem essas funções. Ainda bem. É um sinal de maturidade da função, mas também é um sinal de que as anteriores gerações de presidentes de câmara fizeram o chamado ‘trabalho de sapa’, ou seja, criaram e desenvolveram as infraestruturas-base que hoje tornam apetecível esse lugar, e souberam construir, com o seu trabalho anónimo e por vezes muito duro, as condições necessárias para que os políticos profissionais ambicionassem tornar-se presidentes de câmara.»
No entanto, a batalha pela verdadeira consolidação do poder local parece ainda não estar ganha. Segundo Luís Bento, «persistem enormes debilidades e assimetrias, que precisam de ser combatidas, sob pena de, daqui a um par de anos, ninguém querer assumir as responsabilidades do cargo de presidente de câmara». «As novas exigências de intervenção do poder local, muito por força da transferência de competências reclamada incessantemente, exigem hoje de um presidente de câmara um perfil muito específico, de alguma complexidade, para poder liderar e gerir fenómenos novos que transcendem o que até aqui era habitual. É um paradoxo curioso. Em muitos casos, o poder central, com uma máquina político-administrativa poderosa e com orçamentos dilatados, transfere para o poder local competências de intervenção, somente ao nível político-administrativo, não fazendo acompanhar essa transferência – aliás, absolutamente necessária – dos meios técnico-económicos necessários. E os presidentes de câmara vêem-se, muitas vezes, perante verdadeiras armadilhas – que eles próprios criaram, é certo – mas que exigem respostas cabais e estruturas adequadas.»
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O perfil
Luís Bento defende que «é neste quadro que se tem que olhar para o perfil actual dos presidentes de câmara e equacionar aquele que deverá ser o seu perfil futuro».
E qual é o perfil actual? O consultor apresenta 13 ideias-chave…
«É um(a) homem(mulher) com experiência política prévia nos respectivos partidos, com experiência de vida, capaz de galvanizar a opinião pública local através de projectos e de ideias que traduzam realizações possíveis e/ ou necessárias, com idade compreendida entre os 45 e os 55 anos. Vive maioritariamente do salário que aufere, mas detém competências e capacidades para exercer outra profissão. Gosta da evidência pública e, muitas vezes, exagera na importância que a si próprio(a) confere.»
«Não tem, normalmente, experiência de gestão – situação que prefere esconder – e revela carências no domínio do planeamento estratégico.»
«Gosta de ser pragmático(a), talvez para se defender – e tem dificuldades em perceber os mecanismos financeiros, entendendo muito melhor as regras económicas.»
«Trabalha muitas horas, rodeia-se de diversos assessores – muitas vezes sem qualquer preparação para gerirem os dossiers que lhes são confiados –, conferindo-lhes a necessária confiança política.»
«Tem dificuldades de análise de dossiers mais complexos.»
«Queixa-se da máquina administrativa, mas pouco faz para melhorá-la, pois tem medo de perder influência e controlo.»
«Procura a notoriedade externa, mas dentro da câmara tem dificuldades de diálogo com os técnicos e com os funcionários.»
«Adora conceder audiências e fazer-se esperar.»
«Está sempre à procura de conseguir licenciar grandes empreendimentos – os que trazem receitas significativas –, podendo, muitas vezes, desrespeitar o Plano Director Municipal (PDM), só para aumentar, a curto prazo, a receita do município.»
«Tem uma enorme falta de sensibilidade para as questões ligadas às novas tecnologias, com excepção dos telemóveis e dos automóveis topo de gama.»
«É um(a) excelente 'vendedor(a)' do seu concelho, tudo fazendo para lhe conferir notoriedade nacional.»
«Gosta, verdadeiramente, do contacto com as populações e vive intensamente os problemas dos seus munícipes.»
«Por vezes, tem dificuldade em perceber que ainda não é primeiro(a)-ministro(a).»
Este é o perfil-tipo traçado por um conhecedor da realidade do poder local em Portugal após 29 anos de democracia. Daqui a outros tantos anos, lá para 2032, quem estarão a suportar as cadeiras da presidência? [texto de 2003]
terça-feira, 5 de agosto de 2008
Edição de Agosto
Aventura, coaching e mais do que uma inovação
A edição de Verão da «Pessoal», a deste mês de Agosto, mas nem assim uma edição especial, que é algo que costumamos guardar mais para o final do ano. Uma edição normal, por isso, preenchida com as secções habituais, com as crónicas dos nossos colaboradores de sempre, com os novos temas que mês após mês procuramos trazer a estas páginas.
Desta edição quero fazer alguns destaques, começando logo por uma viagem, uma «aventura», como resolvemos chamar genericamente à peça em que apresentamos a «Expedição Antárctida 2009». A partida está marcada para 15 de Janeiro do próximo ano, e para já, numa entrevista, o líder da equipa que vai de viagem rumo ao distante sul explica todo o projecto – a motivação que é «a vontade de ser único»; e também uma confissão, a da tarefa mais exigente, precisamente a gestão da equipa, «fazer com que todos estejam empenhados no dia-a-dia, manter a equipa unida e fazê-la acreditar».
Quanto a outros destaques da edição...
Primeiro, um dossier sobre coaching, um tema cada vez mais em foco tanto no mundo das empresas como até fora dele. O que apresentamos são os testemunhos de vários especialistas portugueses, com as suas visões de algo que parece estar cada vez mais presente nas empresas, pelo menos nalgumas delas. Desses testemunhos ficam algumas frases, com ideias sobre aquilo que é (ou deve, ou poderá ser) o coaching, sobre o que implica, sobre os próprios resultados que pode originar… «Ajustar o desenvolvimento de competências a cada contexto profissional, à medida de cada colaborador./ Renunciar à posição daquele que sabe, para se colocar na posição daquele que faz descobrir./ Alguém que tem um olhar positivo e incondicional sobre si, quaisquer que sejam as circunstâncias./ Acreditar na importância de um bom treino e de uma boa gestão de conhecimento numa organização./ Trabalhar objectivos próprios e levar os outros a incrementarem o potencial e a performance./ Compreensão dos limites, preocupação com os outros, autoridade reconhecida, ser confiável./ Questionar-se, gerar novas perspectivas, assumir práticas que levem à obtenção de resultados./ Uma abordagem que permite maior exposição do indivíduo a si mesmo, em busca do melhor resultado.»
Depois, duas entrevistas sob o tema da inovação – uma mais genérica, de Luís Mira Amaral, que no que diz respeito a este tema mostra um cartão vermelho à classe política que por cá vamos tendo (Luís Mira Amaral que escolhemos para figura de capa); e outra sobre um conceito novo, o de inovação social, com Celia Moore, a responsável pelos programas de «Cidadania Corporativa» da IBM para a Europa, o Médio Oriente e África. Poderia até ir buscar mais uma inovação para este destaque, a que está implícita na «Estória RH», da empresa Excentric; uma inovação na forma de gerir pessoas, protagonizada por Miguel Figueiredo, o líder de uma empresa no mínimo original e onde parece que vale mesmo a pena trabalhar.
segunda-feira, 4 de agosto de 2008
As competências do gestor de recursos humanos
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Apresentação
Os objectivos definidos para o inquérito sobre as competências do gestor de recursos humanos foram os seguintes: primeiro, identificar quais as competências que actualmente os referidos profissionais consideram mais importantes para quem gere recursos humanos; depois, procurar saber que competências, sobretudo de entre as mais importantes, se encontram na generalidade dos gestores portugueses de recursos humanos e ainda aquelas em que esses mesmos gestores revelam maiores carências; finalmente, procurou-se perspectivar que novas competências poderão emergir como muito importantes nos próximos anos em termos do trabalho ligado à gestão das pessoas nas organizações.
Com este inquérito não se procura chegar a resultados que possam traduzir na perfeição aquilo que se passa em Portugal em termos de competências dos profissionais ligados à gestão das pessoas. O que se procura é encontrar uma tendência. Esta iniciativa integra-se numa outra, mais ampla, da Associação Portuguesa dos Gestores e Técnicos dos Recursos Humanos (APG), entidade que está a promover o debate em relação àquilo que poderá vir a ser o perfil de competências dos profissionais de recursos humanos. É de assinalar que este tema também está a ser objecto de um estudo a nível europeu por parte da Associação Europeia de Gestão de Pessoal (EAPM), com consultas a todos os países nela filiados, num trabalho em que colabora a Boston Consulting Group (BCG).
No caso do inquérito promovido junto de profissionais portugueses ligados à gestão das pessoas, as competências que lhes foram apresentadas (para serem ordenadas em termos de importância) foram as seguintes: compreensão estratégica; liderança; orientação para resultados; adaptação à mudança; análise e resolução de problemas; negociação e persuasão; eficácia comunicacional; ‘networking’; resiliência; gestão da diversidade cultural; auto-desenvolvimento; flexibilidade; planeamento e organização; compreensão interpessoal; iniciativa; auto-confiança.
Na definição destas 16 competências, houve a colaboração de Mário Ceitil, um especialista no tema. As 16 competências apresentadas são em grande parte retiradas dos diversos perfis apresentados num livro por ele organizado («Gestão e Desenvolvimento de Competências», Edições Sílabo, Lisboa, 2006), sendo a explicação relativa a cada uma delas da sua autoria (ver mais abaixo «As 16 competências»).
Perguntas colocadas
1 - Ordene as competências seguintes (de 1 – mais importante – a 16 – menos importante):
- Compreensão estratégica
- Liderança
- Orientação para resultados
- Adaptação à mudança
- Análise e resolução de problemas
- Negociação e persuasão
- Eficácia comunicacional
- ‘Networking’
- Resiliência
- Gestão da diversidade cultural
- Auto-desenvolvimento
- Flexibilidade
- Planeamento e organização
- Compreensão interpessoal
- Iniciativa
- Auto-confiança
2 - Que outras competências considera importantes?
3 - De entre o universo das 16 competências iniciais mais as que referiu na questão anterior, quais considera serem aquelas que mais desenvolvidas se encontram na generalidades dos gestores portugueses de recursos humanos?
4 - E quais considera serem aquelas em que os gestores portugueses de recursos humanos revelam maiores carências?
5 - Que novas competências poderão emergir nos próximos anos em termos do trabalho ligado à gestão das pessoas nas organizações?
As 16 competências
A breve apresentação de cada uma das competências é da autoria de Mário Ceitil, que a propósito do tema das competências do gestor de recursos humanos, assinala que «no reconhecido contexto de complexidade em que a sociedade e as empresas se movem actualmente, o gestor de recursos humanos emergente deve ter um perfil de competências que, claramente, se desloque do campo das competências instrumentais para o domínio das questões mais estratégicas ligadas à sua função». Para este especialista, «as tendências verificadas nas direcções de recursos humanos, em todo o mundo, vão no sentido da redução do número de efectivos, havendo recurso ao ‘outsourcing’ para uma boa parte das questões ligadas a técnicas específicas e uma concentração, em poucas pessoas, de competências de grande amplitude estratégica, ligadas à visão da empresa e do negócio». Mais, «são também de valorizar as competências necessárias para adquirir uma boa mobilidade em termos dos processos adaptativos que as empresas têm que enfrentar em mercados de grande dinamismo e volatilidade, além de assumirem um relevo particular as competências comportamentais e interpessoais, assim como o desenvolvimento da auto-confiança e da resiliência, verdadeiramente incontornáveis no actual contexto de turbulência».
Mário Ceitil define assim as 16 competências:
- Compreensão estratégica – «Compreender a visão e a estratégia da empresa, incluindo o contexto de mercado onde se insere a actividade, fazendo reflectir essa compreensão em orientações operacionais claras e na identificação dos factores críticos para o sucesso e para o desenvolvimento do negócio.»
- Liderança – «Animação das pessoas e das equipas, através da utilização das potencialidades dos colaboradores, definindo objectivos tangíveis e convergentes com os objectivos organizacionais, motivando-os e envolvendo-os, visando a obtenção de resultados e o desenvolvimento em permanência das suas competências.»
- Orientação para resultados – «Orientação para alcançar os objectivos fixados e a vontade de atingir um padrão de excelência por iniciativa própria, tendo em vista o ajustamento dos objectivos, dos métodos e dos processos de trabalho individuais às necessidades dos clientes e do mercado, salvaguardando os procedimentos e os imperativos de gestão instituídos na organização.»
- Adaptação à mudança – «Manutenção da força e da energia necessárias para gerir e lidar com diferentes situações de mudança, superando os obstáculos e as resistências, pessoais e alheias, e presença de um sentido bem fundamentado e claro de direccionamento, orientado por valores e por princípios de ética pessoal e profissional.»
- Análise e resolução de problemas – «Reacção pronta às situações-problema, apresentando hipóteses de solução e formulação de opções perante alternativas possíveis.»
- Negociação e persuasão – Acções de negociação, influência e persuasão de todos os intervenientes da organização, no sentido do desenvolvimento de comportamentos adequados para o cumprimento dos objectivos e das políticas da organização, potenciando o alcance dos resultados definidos.»
- ‘Networking’ – «Comportamentos orientados para o estabelecimento e para a manutenção de uma rede de contactos profissionais e sociais que permita, a cada pessoa, não só manter-se actualizada sobre as possibilidades de mercado, tanto nos negócios como no mercado de trabalho, como ainda reunir rapidamente apoios diversificados para a resolução de problemas na sua vida pessoal e profissional.»
- Eficácia comunicacional – «Transmissão clara, precisa e objectiva de ideias, mensagens e informações, garantindo que o receptor as compreenda, sendo permanentemente aberto e sensível ao ‘feed-back’ dos outros.»
- Gestão da diversidade cultural – «Manifestação de comportamentos de adaptação positiva a contextos e categorias sócio-culturais diferentes, trabalhando eficazmente em equipas multi e inter-culturais.»
- Resiliência – «Manifestação de comportamentos que evidenciam capacidade de recuperação rápida de descompensações emocionais resultantes de experiências difíceis, dolorosas e altamente stressantes e traumatizantes.»
- Auto-desenvolvimento - «Condução da acção para a procura contínua de novos saberes e/ ou técnicas que sejam relevantes para a sua actividade profissional, tendo em vista as novas experiências da sua área específica, em resposta às condicionantes de mercado.»
- Flexibilidade – «Adaptação e funcionamento eficazes em situações distintas e variadas, com grupos e processos diversos, mudando o estilo de comportamento ou o método de abordagem quando necessário, para atingir um objectivo, ajustando-o de acordo com as necessidades das situações.»
- Planeamento e organização – «Manifestação de comportamentos pelos quais a pessoa evidencia o estabelecimento de uma sequência de acções para alcançar um objectivo específico, determinando prioridades e fazendo uma gestão do tempo e dos recursos de uma forma eficaz, definindo prazos realistas.»
- Compreensão interpessoal – «Manifestação de compreensão pelos sentimentos e pelas perspectivas dos outros, reconhecendo o interesse pelas suas preocupações, escutando-as, lendo os sinais não verbais, valorizando as suas perspectivas e o modo como sentem e pensam.»
- Iniciativa – «Manifestação de acções pró-activas e autónomas, em vez de esperar passivamente por ordens ou instruções, não se limitando a pensar em acções futuras, procurando uma resposta imediata ou em tempo útil às solicitações dos clientes.»
- Auto-confiança – «Manifestação de comportamentos que evidenciam que uma pessoa apresenta uma relação positiva consigo própria, é realista em relação aos seus pontos fortes e aos seus pontos fracos e considera-se, habitualmente, como a primeira responsável por aquilo que lhe acontece, assumindo que está nas suas mão controlar o seu próprio destino.»
Resultados: o problema da compreensão estratégica
Os resultados do inquérito podem ser resumidos em três grandes ideias. Primeira, competências como compreensão estratégica, liderança e orientação para resultados são consideradas as mais importantes para quem gere pessoas nas organizações; no lado oposto aparecem competências como auto-desenvolvimento, ‘networking’ e gestão da diversidade cultural (não querendo isto significar que sejam de desprezar, são contudo encaradas como as menos importantes no conjunto das 16 apresentadas). Segunda ideia, não há uma opção clara por uma ou mais competências, de entre as 16, em relação às quais os gestores portugueses de recursos humanos estejam muito bem, apesar de se destacarem um pouco três competências: análise e resolução de problemas, flexibilidade e compreensão interpessoal. Terceira ideia, a competência, das 16, em que os gestores portugueses de recursos humanos revelam maiores carências é a compreensão estratégica.
Mas vejamos como se procedeu e o que aconteceu em relação a cada uma das cinco perguntas colocados:
>>> Pergunta 1 – Foi pedido que se ordenassem 16 competências, da mais importante (atribuindo 1) à menos importante (atribuindo 16).
Uma competência, tendo em conta o universo de respostas, poderia obter no mínimo 13 pontos, se fosse considerada por todos os participantes a mais importante; pelo contrário, poderia obter no máximo 208 pontos, se fosse considerada por todos os participantes a menos importante. Por exemplo, a que foi considerada mais importante (compreensão estratégica, 81,3) obteve inicialmente 39 pontos; subtraiu-se então 39 ao máximo de 208 (16 X 13), o que deu 169, sendo o resultado final obtido pelo quociente entre 169 e 208 (com arredondamento). Chegou-se assim aos valores que se podem ver na caixa «Resultados» para esta pergunta 1. Assinale-se aqui as três competências tidas como mais importantes (compreensão estratégica – 81,3; liderança – 73,1; orientação para resultados – 62,0), sendo que acima dos 50 pontos ainda figuram mais cinco (adaptação à mudança – 55,7; análise e resolução de problemas – 53,3; eficácia comunicacional – 52,4; negociação e persuasão – 51,9; flexibilidade – 51,0). Depois, um grupo de mais cinco (iniciativa – 49,0; compreensão interpessoal – 47,1; resiliência – 43,3, auto-confiança – 39,4; planeamento e organização – 38,0) e outro de três, este aqui destacado no final, pelos valores que apresenta cada uma das competências que o integram (auto-desenvolvimento – 28,4; ‘networking’ – 26,7; gestão da diversidade cultural – 17,8).
»»» Pergunta 2 – Foi pedido que se assinalassem outras competências consideradas importantes, além das 16 propostas.
Salvaguardando casos em que as diferenças para as 16 competências propostas tinham a ver sobretudo com a terminologia utilizada, destaque-se o facto de muitas das competências que foram sendo apresentadas terem a ver com a presença das pessoas nas organizações não como ocupando pequenas quintas de exploração individual mas antes interagindo umas com as outras (humildade intelectual; franqueza e abertura de espírito; capacidade de gerar equilíbrios; saber ouvir; respeitar a diferença; consciência de sentimentos, necessidades e preocupações dos outros; trabalho em equipa; capacidade de gestão de conflitos). Destaque ainda para o apelo à criatividade (criatividade; gerar novas ideias, sustentar a inovação, apresentar soluções inovadoras para a especificidade das necessidades dos colaboradores) e ao humor, para a questão dos talentos (‘coaching’/ desenvolvimento e retenção de talentos; gerir talentos), para a preocupação com o mercado (orientação para o cliente; visão estratégica; compreensão operacional do mercado), para os problemas inerentes à mudança (ser agente de mudança; ser catalizador da mudança) e para o conhecimento da organização (identificação corporativa e compreensão da cultura de empresa; sensibilidade organizacional).
»»» Pergunta 3 – Foi pedido que de entre o universo das 16 competências iniciais (mais as que o respectivo participante tinha referido na pergunta 2) se assinalasse as mais desenvolvidas na generalidade dos gestores portugueses de recursos humanos.
De notar que as mais referidas não chegam sequer aos 50 pontos (de 0 a 100) – análise e resolução de problemas; flexibilidade; compreensão interpessoal (todas com 38,5). Isto significa que houve muita dispersão de opiniões, não se concentrando os participantes num pequeno grupo de competências que pudessem ser consideradas como aquelas em que os gestores portugueses de recursos humanos estivessem, ou seja, aquelas que efectivamente detivessem, por exercê-las de facto.
»»» Pergunta 4 – Foi pedido que de entre o universo das 16 competências iniciais (mais as que o respectivo participante tinha referido na pergunta 2) se assinalasse aquelas em que os gestores portugueses de recursos humanos revelam maiores carências.
Aqui, o cenário é semelhante; a excepção acontece numa competência (compreensão estratégica – 61,5). As outras duas mais referidas (orientação para resultados – 38,5; liderança – 30,8) estão longe dos 50 pontos. Ou seja, há uma ideia clara de que ao nível da compreensão estratégica existem problemas, mas depois não há competências que apareçam acima dos 50 pontos (que seria um indicador de concentração das opiniões). Mesmo assim, um dado curioso ressalta daqui: as três competências que surgem à frente como aquelas em que os gestores portugueses de recursos humanos revelam maiores carências são precisamente aquelas que são tidas como as mais importantes para quem gere pessoas numa organização.
»»» Pergunta 5 – Foi pedido que se referissem novas competências que poderão emergir nos próximos anos em termos do trabalho ligado à gestão das pessoas nas organizações.
O leque de competências referidas aproximou-se das três dezenas. A questão da terminologia, mais uma vez, poderá ter tido alguma influência, fazendo com que se atingisse um número tão elevado. De qualquer maneira, deve assinalar-se aqui algumas preocupações dos participantes em relação ao que será o trabalho das pessoas nas organizações (a ideia de «lugar bom para trabalhar», «equipa com um ambiente positivo e bom humor» e «compatibilização entre vida profissional e vida familiar») e em relação a factores como, entre outros, inovação, tecnologia, aprendizagem ao longo da vida ou diversidade e mobilidade (num mundo cada vez mas global). Assinale-se também a referência à gestão do ‘outsourcing’ como uma competência importante no futuro em termos de gestão de recursos, e uma outra competência, a consciência política, aqui entendida como «capacidade de fazer uma leitura adequada das realidades da organização e das realidades externas, sociais e políticas».
Resultados
Competências (importância atribuída – numa base de 0 a 100):
- Compreensão estratégica – 81,3
- Liderança – 73,1
- Orientação para resultados – 62,0
- Adaptação à mudança – 55,7
- Análise e resolução de problemas – 53,3
- Eficácia comunicacional – 52,4
- Negociação e persuasão – 51,9
- Flexibilidade – 51,0
- Iniciativa – 49,0
- Compreensão interpessoal – 47,1
- Resiliência – 43,3
- Auto-confiança – 39,4
- Planeamento e organização – 38,0
- Auto-desenvolvimento – 28,4
- ‘Networking’ – 26,7
- Gestão da diversidade cultural – 17,8
Outras competências referidas (que não constavam das 16 iniciais):
Os diversos responsáveis de recursos humanos que responderam ao inquérito referiram ainda outras competências que consideram importantes para quem gere pessoas numa organização. Há casos em que são semelhantes a alguma das 16 inicialmente apresentadas, residindo as eventuais diferenças mais em questões de terminologia. Noutros casos isso não acontece, tratando-se de competências diferentes. Entre este novo conjunto que foi referido, existem também casos de semelhanças (havendo mais uma vez a questão de as eventuais diferenças resultarem de questões de terminologia). Vejamos as competências que os participantes referiram: humildade intelectual; comportamento ético, honesto e íntegro; franqueza e abertura de espírito; gestão da informação; trabalho em equipa; orientação para o cliente; capacidade de gerar equilíbrios; capacidade de gestão de conflitos; interdisciplinaridade; visão estratégica; visão integrada de sistemas de informação; identificação corporativa e compreensão da cultura de empresa; criatividade e humor; inteligência emocional; ‘coaching’/ desenvolvimento e retenção de talentos; pensar ’out of the box’ (gerar novas ideias, sustentar a inovação, apresentar soluções inovadoras para a especificidade das necessidades dos colaboradores); saber ouvir; respeitar a diferença; ser agente de mudança; gerir talentos; exemplaridade; compreensão operacional do mercado; orientação para o cliente interno; controlo emocional e auto-consciência; ser catalizador da mudança (iniciar e gerir a mudança); bom-senso e isenção; empatia (consciência de sentimentos, necessidades e preocupações dos outros); gestão de conflitos; sensibilidade organizacional (capacidade para se aperceber do impacto e das implicações que as suas actividades/ iniciativas/ discursos podem ter na empresa e nos colaboradores); criação de sinergias; inteligência abstracta.
Competências consideradas mais desenvolvidas na generalidades dos gestores portugueses de recursos humanos (base de 0 a 100):
- Análise e resolução de problemas – 38,5
- Flexibilidade – 38,5
- Compreensão interpessoal – 38,5
Competências que o painel considera serem aquelas em que os gestores portugueses de recursos humanos revelam maiores carências (base de 0 a 100):
- Compreensão estratégica – 61,5
- Orientação para resultados – 38,5
- Liderança – 30,8
Competências para o futuro:
Os participantes referiram ainda competências que poderão emergir nos próximos anos em termos do trabalho ligado à gestão das pessoas nas organizações. Mais uma vez, acaba por haver semelhança entre algumas delas (o que muda é a terminologia). São as seguintes: competências relacionadas com a inovação (curiosidade, mudança, desafio, incentivo à assumpção de riscos); competências que ajudam a transformar as empresas num bom lugar para trabalhar (competências emocionais como a capacidade de gerar na equipa um ambiente positivo e de bom-humor); capacidade de gerar o norte cultural, ou seja, o comprometimento; visão estratégica e compreensão do negócio; capacidade de inovar; capacidade analítica e de agregar valor; capacidade de gerir e reter talento; visão integrada de sistemas de informação; participação nas definições estratégicas; participação na gestão da diversidade (não apenas cultural, mas também funcional e nos processos de integração e desenvolvimento de competências); participação nos processos de ‘e-learning’ e ‘life long learning’; competências necessárias no âmbito de processos/ projectos de responsabilidade social e compatibilização entre vida profissional e vida familiar; competências ligadas à comunicação; simplificar processos e utilizar as potencialidades da tecnologia de informação na construção de instrumentos e ferramentas que permitam e suportem os novos modelos de trabalho; competências de gestão que permitam gerir equipas globais e multiculturais que podem estar dispersas por diferentes geografias; capacidade de recrutar, desenvolver e reter; capacidade para implementar processos/ ferramentas que garantam uma oferta de trabalho diferenciada, oportunidades de desenvolvimento de competências e de carreira, um pacote de benefícios quase ‘tailor made’ que seja o reflexo (mensurável) do comportamento/ desempenho dos colaboradores; gestão da mobilidade; recrutamento de pessoas melhores do que «nós» e com mais potencial do que «nós»; consciência da importância das pessoas de elevado potencial e elevados desempenhos, e capacidade de motivá-las e fazê-las crescer; competências no sentido de integrar as equipas nos planos estratégicos; capacidades para gerar e manter uma cultura de empresa forte e de provocar um grande sentido de adesão dos recursos humanos ao projecto; consciência política (capacidade de fazer uma leitura adequada das realidades da organização e das realidades externas, sociais e políticas); inovação, capacidade de antecipação e proactividade; ‘coaching’; gestão de ‘outsourcing’.
Participantes
De entre o conjunto de responsáveis de recursos humanos de diversas instituições que foram contactados, responderam: Ana Almeida, Leroy Merlin; António Cerejeira, IBM Portugal; Carmen Inocêncio, Lusomedicamenta; Fernanda Moura, Edifer; Helena Faria, Prológica; Jorge Pinho, Unicer Bebidas de Portugal; José Manuel Dias, Grupo Caixa Geral de Depósitos; Luís Silva, Grupo Prosegur; Margarida Pena, Cofidis Portugal; Maria Henriqueta Faria, Janssen Cilag Farmacêutica Portugal; Nuno Bartolomeu Cordeiro, Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo; Nuno Filipe, AKI; Pedro Ramos, Groundforce Portugal.
Comentário de Mário Ceitil*
O principal eixo de desenvolvimento da função Recursos Humanos para a primeira década do século XXI vai ser, seguramente, a transformação progressiva dos modelos e das práticas de gestão centrados no paradigma das funções para os modelos e para as práticas centrados sobre o paradigma das competências.
Isto significa uma clara oscilação do campo, dos domínios de responsabilidade e do ‘focus’ organizacional da acção do responsável de recursos humanos desse já futuro presente, cujos indicadores se tornam bem evidentes em muitas realidades empresariais:
- do domínio das funções e das actividades para o domínio das competências e das responsabilidades;
- do domínio das actividades técnicas e de suporte para o domínio da participação estratégica;
- da superação de um modelo em que o responsável pela gestão de recursos humanos é um espectador atento, embora pouco interveniente, para o desenvolvimento de configurações de uma nova função orientada para a produção de mais-valias organizacionais.
Os pontos de incidência desta mudança, no que diz respeito às configurações estrutural, funcional e organizativa, estão sobretudo relacionadas com uma inequívoca refocalização estratégica da função Recursos Humanos, que passa a ser uma função à qual são atribuídas responsabilidades e objectivos claros em relação à produção de valor acrescentado, para o qual deve ser elaborado um ‘scorecard’ de gestão suficientemente objectivo, embora flexível, para que esta função possa ser adequadamente servida por sistemas de medida apropriados.
Esta reconfiguração da função Recursos Humanos parece estar já relativamente adquirida pelos actuais responsáveis de gestão de recursos humanos, tendo em consideração as respostas produzidas no inquérito elaborado pela revista «Pessoal».
Embora o painel seja constituído por um número relativamente pequeno de respondentes, é muito significativo que das 16 competências inicialmente apresentadas as três consideradas mais representativas sejam a «Compreensão Estratégica» (81,3), a «Liderança» (73,1) e a «Orientação para Resultados» (62,0).
Estes resultados parecem indicar que, pelo menos como linha de tendência, os responsáveis de gestão de recursos humanos estão conscientes de que a sua função deverá evoluir para uma dimensão mais dominantemente empresarial e menos «tecnocrática»; e, até, menos «humanística», pelo menos na dimensão mais restrita e idealística do termo.
Ao considerar que, todavia, estas são justamente as competências consideradas menos desenvolvidas, o painel parece igualmente confirmar algo que constatamos empiricamente: é que, apesar da consciência generalizada que encontramos, nos meios ligados aos recursos humanos, da importância de atribuir maior «dignidade» estratégica à função, isso não é todavia ainda um fenómeno generalizado.
Quanto às competências que o painel considera mais desenvolvidas, confirmam igualmente uma concepção do responsável de gestão de recursos humanos como uma função de «suporte» organizacional, onde são prevalecentes as componentes de mobilidade inter-organizacional e de grande capacidade de comunicação interpessoal.
Estas conclusões revelam-se de um interesse muito particular, apesar da pouca expressividade estatística da amostra do inquérito, num momento em que, como já referi, a função Recursos Humanos atravessa um período onde são frequentes os desafios que se vão colocando para a produção de reconfigurações estratégicas que visem, essencialmente, aumentar a visibilidade do «valor acrescentado» dessa mesma função.
Fruto de uma história que a gerou numa conjunção de equívocos, a função Recursos Humanos procurou, durante praticamente todo o século XX, meios e formas de se impor a realidades organizacionais que pareciam encaminhar-se para dinâmicas que, aparentemente, se prenunciavam quase como «crónicas de uma morte anunciada» da gestão de recursos humanos.
Foram as sucessivas tendências para a redução de efectivos e para práticas de gestão cada vez mais agressivas e ‘human unfriendly’; foram as sucessivas reestruturações empresariais, com a sucessiva tendência, que aliás ainda continua, para o progressivo «emagrecimento» das estruturas de gestão de recursos humanos; foi também o aparecimento de modelos de gestão (por exemplo, a reengenharia) que pareciam, agora, sustentar que os recursos humanos não eram, afinal, um factor assim tão decisivo para o êxito das empresas e que a ênfase deveria ser colocada no ‘hardware’ da gestão (estratégias e processos estruturais). Os comportamentos viriam por acréscimo.
Embora seja obviamente impossível ter certezas quanto ao futuro, a qualquer futuro, creio que o mais curioso dos desenvolvimentos mais recentes da nova função Recursos Humanos é a reinvenção de um conceito que aparece como a síntese dos aparentemente contrários que a história produziu.
A essa síntese eu chamaria «a dimensão e o sentido estratégico dos comportamentos quotidianos».
Os comportamentos, e particularmente o conhecimento através deles veiculado, tudo isso constitui, de facto, o grande factor de alavancagem estratégica das empresas modernas.
Isto retoma, finalmente, a ideia de que é nos factores humanos, especificamente humanos, que reside o verdadeiro reduto da esperança da gestão e do progresso futuros.
Desde que saibamos reposicionar as pessoas, os seus comportamentos e os seus conhecimentos na coerência dos enquadramentos organizacionais onde eles assumirão o seu sentido e a sua substância essenciais.
*Mário Ceitil, licenciado em Psicologia Social e das Organizações pelo Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA), é consultor e formador na Cegoc desde 1981, tendo participado em vários projectos de intervenção nos domínios da Psicologia das Organizações e da Gestão de Recursos Humanos em empresas públicas e privadas, em Portugal e em países da África Lusófona. Actualmente, para além de director associado da Cegoc, desenvolve ainda actividades como docente universitário na Universidade Lusófona e na Universidade Católica. Publicou perto de uma centena de artigos em vários jornais e revistas, além de vários livros.
terça-feira, 1 de julho de 2008
Edição de Julho
RH, tecnologia, empreendedorismo e um novo conceito
Uma edição com dois grandes destaques, um dossier sobre empreendedorismo e um «especial» dedicado ao tema «recursos humanos e tecnologias de informação». Foi este «especial» que resolvemos puxar para destaque maior na capa, um trabalho protagonizado por 14 instituições e que inclui numa primeira parte diversos artigos sobre softwares de gestão (especialmente em termos de gestão das pessoas nas organizações) e numa segunda vários outros sobre e-learning, havendo ainda um texto final sobre o mercado de recrutamento e selecção de profissionais nestas áreas. Quanto ao dossier, ele assenta sobretudo na visão de dois jovens talentos portugueses sobre o tema do «empreendedorismo», dois jovens que entrevistámos e de quem publicamos também um artigo extremamente meritório. São dois engenheiros portugueses com experiências universitárias fora do país. Nota-se, sobretudo na entrevista, nas respostas que deram, como que algo de novo, isto se pensarmos apenas no que em Portugal, tradicionalmente, preenche os discursos sobre empreendedorismo. Um desses jovens chega mesmo a confessar que «as respostas dadas são um bom exemplo da aprendizagem no exterior» pois do que disseram «muito pouco foi aprendido em Portugal». O dossier tem ainda uma reportagem sobre o tema, na qual nos propusemos ouvir diversas pessoas de alguma forma ligadas ao meio empresarial, vários homens e várias mulheres; uma particularidade, eventualmente fruto do acaso, mas que achámos curiosa – os homens responderam, já as mulheres nem uma.
Mais uma coisa… Um novo conceito, que se pode encontrar num dos artigos do espaço «Perspectivas»: a «iliteracia emocional». Não resisto a colocar aqui um bocadinho do texto… «Modernamente, uma classe tecnopolítica (verdadeiros tecnocratas da política) emergente, é completamente incapaz de expressar emoções perante o sofrimento alheio. Reduz tudo a estudos e a análises económico-financeiras, cobrindo-se com o manto (não) diáfano do poder./ São os novos iletrados emocionais: conseguem dizer que são sensíveis ao problema e nada fazer; conseguem olhar com distanciamento o sofrimento alheio; conseguem persistir em ideias do passado quando vem aí o futuro; conseguem esconder-se dentro de uma redoma protectora; conseguem viver não vivendo e não deixando os outros viver./ Estes novos iletrados emocionais (que pululam por aqui e por ali) reconhecem-se facilmente não por aquilo que fazem mas, acima de tudo, pelo que não fazem, autoproclamando-se proprietários da razão, e os outros (os que sofrem, os que vivem com imensas dificuldades, os que não têm que comer) são sempre referidos como tendo dificuldades de entendimento e de análise das circunstâncias./ E até já se chegou ao cúmulo de classificar os dados sobre a pobreza e sobre as desigualdades na distribuição do rendimento em Portugal como ‘empiricamente falsos’.»
A edição, obviamente, tem muito mais para descobrir.
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Vasco Gonçalves RH
O brigadeiro a preto e branco
Um bocadinho antes do Verão Quente, o número quatro de 1975 do Boletim da APDCP (a «Pessoal» de então) revelava, a quem quisesse ler, a fórmula mágica para entrar «nos caminhos da sociedade nova». O seu autor nem bruxo era, ainda ia em brigadeiro, mas mesmo assim dizem que convencia muita gente.
O brigadeiro, no caso, era um senhor chamado Vasco Gonçalves, que às vezes ainda aparece na televisão em imagens a preto e branco, sempre de cabeça meio perdida, mas também o caso, em 1975, raramente era para menos. Ora acontece que no primeiro de Maio desse ano, entre outras preciosidades esquecidas pelo Boletim da APDCP, o dito brigadeiro dizia, como já frisámos na edição anterior, que «a nossa crise económica é, neste momento, o obstáculo fundamental a vencer». Desculpará o leitor a insistência, mas a coisa parece merecedora de bis, ou antes, de alguns desenvolvimentos. Ora, então, o brigadeiro complementava a frase chamando à referida crise «a nossa grande dificuldade» e dizendo que «o tempo que temos para a vencer é limitado». Descontando as deselegâncias de sintaxe, ou talvez não, porque a verdade é que, em tais matérias, de 1975 até agora tem sido sempre a descer, algum paralelo se poderá fazer com os tempos actuais. O Verão Quente da crise de 2002, se bem que mais suportável do que o de 1975, por requerer apenas protector solar, umas bebidinhas frescas e contenção no uso do cartão de crédito, este Verão talvez seja capaz de levar algum «brigadeiro» de agora, devidamente assessorado no português (se calhar via telemóvel, caso se trate de um improviso), a dizer que «a nossa crise económica é, neste momento, o obstáculo fundamental a vencer», que é «a nossa grande dificuldade» e que «o tempo que temos para vencê-la é limitado». O que por certo não dirá nenhum dos «brigadeiros» com que vamos alombando é algo parecido com a continuação do discurso do brigadeiro de 1975. Senão vejamos…
«Ou recuperamos, por nós próprios, com o nosso esforço, ou comprometeremos gravemente a marcha do nosso progresso revolucionário, o futuro da nossa pátria.»
«A nossa luta é decisiva. Apelo aqui, a todos os trabalhadores, a todos os patriotas, para que se lancem na batalha da produção, de cuja vitória depende o futuro da revolução.»
«A batalha da produção é uma etapa necessária para vencer a crise económica e criar condições para o futuro desenvolvimento das economias, numa via para o socialismo.»
«O papel principal, nesta batalha da produção, pertence a vós, trabalhadores que, hoje, dadas as medidas já tomadas, contra o capital monopolista e latifundiário, no sentido do domínio de sectores básicos da produção e do arranque da reforma agrária, têm a garantia de que o seu trabalho e a sua opção reverterão em benefício da colectividade e não em benefício das classes privilegiadas.»
«Que pede então o MFA aos trabalhadores?»
Ao MFA já lá iremos, por agora, e sem que seja para manter o suspense, detenhamo-nos num pormenor, a curiosa insistência no colectivo, «recuperamos», «por nós próprios», «o nosso esforço», «o nosso progresso», «a nossa pátria», «a nossa luta», «todos os trabalhadores», «todos os patriotas», «vós, trabalhadores», «em benefício da colectividade». Não será por certo má a ideia de colectivo, mas a que em 1975 estava implícita nos excertos do discurso que o Boletim da APDCP reproduzia lembrava mais aquilo do «nosso povo, nosso povo, nosso povo» do que outra coisa.
Quanto ao MFA, o que é que pedia então aos trabalhadores, e isto segundo as palavras do brigadeiro? Aos trabalhadores, note-se, a quem passado um quarto de século está mais na moda chamar colaboradores ou até, imagine-se, capital intelectual; coisa que ao brigadeiro, por certo deverá fazer confusão, especialmente se pensarmos na ideia que está subjacente a «essa coisa» do capital intelectual, a de valorização das pessoas como principal activo (palavra um bocadinho manhosa, mas enfim...) das empresas (ou organizações, já agora...). A continuar nesta linha, ainda algum guru chamará às pessoas, aos colaboradores, ao capital intelectual, a tudo isso ainda algum guru mais desarvorado – e perdido nas referências históricas, como convém a qualquer guru que se preze –, ainda chamará «grande capital». E então, aí é que há-de ser bonito, o brigadeiro de certeza ficará mesmo confuso, e depois, se lhe pedirem opinião... Bom, depois, ele e esse «grande capital», e o «grande capital» que no tempo dele era «monopolista e latifundiário»; e, afinal, o «grande capital» a significar, simplesmente, pessoas, colaboradores, enfim, trabalhadores, o «nosso povo, nosso povo, nosso povo...»
Mas adiante, o que o MFA pedia ao grande capital, perdão, aos trabalhadores, nem mais nem menos, era «coesão e unidade em torno de objectivos verdadeiramente nacionais, objectivos estes em cuja determinação participarão [os trabalhadores, já se vê]; subalternização das lutas políticas partidárias, no seio das organizações sindicais, lucidez em face da realidade nacional; realismo reivindicativo; análise e discussão ideológica da proposta esquerdista e anarquizante e dos perigos a que pode conduzir a sua falta de capacidade real para solução dos problemas correntes; combate aturado aos divisionistas e provocadores; trabalho militante exemplarmente revolucionário; encarar a valorização profissional como uma opção verdadeiramente revolucionária; compreensão de que, sem a reconstituição do aparelho económico e do aparelho do Estado, sem o desenvolvimento económico, não é possível, nem ao Governo Provisório nem ao MFA, corrigir as graves distorções salariais herdadas do fascismo».
E mais não pedia o MFA, pelo menos nas páginas do Boletim número quatro/ 75 da APDCP. Também, convinha não abusar.
quinta-feira, 29 de maio de 2008
Edição de Junho
Convites à leitura
Planos de pensões, saúde e segurança no trabalho, formação, responsabilidade social, coaching, trabalho temporário… São alguns dos temas desta edição, temas que abordamos com frequência, por terem a ver com a gestão das pessoas nas organizações, a área de que trata a «Pessoal». Uma edição em que duas das peças são feitas com pessoas ligadas às empresas e também ao desporto. De formas diferentes. Tomaz Morais, o mediático seleccionador nacional de rugby, tem-se destacado também com intervenções em organizações empresariais, nomeadamente sobre trabalho em equipa e liderança; dele apresentamos um perfil e com ele fazemos a capa. Já Luís Moreira, quadro de uma multinacional de trabalho temporário, conjuga a sua actividade profissional com a de treinador de hóquei em patins no Sporting; para esta edição, concedeu-nos uma longa entrevista. São duas peças a seguir atentamente, pois dizem muito do que é a gestão de equipas e a liderança, seja no desporto, seja nas empresas.
De qualquer forma, apesar destes destaques, quero puxar para o espaço de abertura da edição dois outros textos, ou melhor, dois bocadinhos de textos.
Começo pela crónica da Paula, que está connosco deste o início, em 2002. Nesta edição encontra uma pessoa, junto ao Douro, assim…
Aproximei-me sorrateiramente e durante alguns instantes, ao observar o seu ar sereno e atento às páginas do livro, hesitei entre cumprimentá-lo ou simplesmente observá-lo e continuar o meu caminho.
A minha curiosidade falou mais alto e quando me dei conta já estava junto dele a perguntar:
– O que faz um homem tão ocupado a esta hora neste sitio tão bonito?
– Estava à sua espera!
Sorriu quando viu o meu franzir de sobrolho e imediatamente continuou:
– Longe de mim encontrá-la, mas neste momento é a pessoa mais importante para mim!
É, realmente ainda existem pessoas capazes de nos surpreenderem.
Quando os encontros, as pessoas, os acontecimentos deixam uma marca em nós, é mais difícil traduzir o sentir dessa marca por palavras, pois apercebemo-nos de que fica sempre muito por dizer, talvez o mais importante. No entanto, há desafios que recuso não agarrar, nem que seja para partilhar num parágrafo.
O segundo bocadinho de texto foi escrito pelo Rodolfo, que também tem uma presença habitual na «Pessoal». É uma reflexão sobre as empresas, uma reflexão que começa de forma curiosa, também com um encontro, assim…
Numa estação de comboios do Portugal «profundo», conheci ocasionalmente um indivíduo curioso. Animado, determinado, com certa ingenuidade até, afirmava com ar saudosista (e aparentemente impressionado com ele mesmo) ter subido a elevadas escarpas, com enorme audácia que hoje lhe seria impossível. Na sua juventude atingiu lugares impensáveis, abismos a pique sobre o rio. Não se chegava lá sem grande dose de esforço e de coragem.
Depois de atingir as zonas do topo das penedias, à beira do precipício o seu interesse repartia-se por vários aspectos. Um deles era o exercício de lançar grandes pedregulhos pelas ravinas abaixo, na direcção das rochas onde estavam pousados abutres, os quais levantavam voo assustados. A súbita – apesar de infrutífera – agitação das grandes aves ficou-lhe retida na mente.
Apesar de todo esse trabalho, confessou que nunca tinha conseguido matar nenhum abutre.
Estes dois bocadinhos dos textos são convites à leitura, cada um à sua maneira. Desta diversidade, de tantas outras diversidades, se faz a «Pessoal» a cada mês. Boas leituras, é o que como sempre espero que venha a proporcionar.
terça-feira, 27 de maio de 2008
Mediterrâneo RH (14)
François Silva
Uma experiência para continuar
O coordenador do «Projecto Ágora RH» acredita, ao fim de três anos de trabalho conjunto, que a experiência vai continuar e chegar a outros países do espaço do Mediterrâneo. Entrevista com um homem que considera que «chegou o momento de ao nível da sociedade civil, das associações, haver uma grande participação no desenvolvimento dos países».
Chama-se François Silva e é professor universitário em Marselha o coordenador do «Projecto Ágora RH». Para começar, sabe muito bem o uso que por cá é dado ao apelido Silva.
O senhor é francês, vi no seu currículo que nasceu em Bordéus… Sabe que o seu apelido é o mais comum em Portugal?
Sim, e também existe em África, e noutras zonas do mundo. Tem a ver com a diáspora portuguesa. O apelido é de origem judaica… Os judeus partiram para todo o lado.
É professor na Euromed, em Marselha. Como é que aparece ligado ao «Projecto Ágora RH»?
Sou professor, de cadeiras que têm a ver com a função Recursos Humanos. E estou ligado à área de investigação da escola; é a esse título que tenho a meu cargo a coordenação do projecto, que propus à escola. O projecto fez com que a competência da Euromed Ecole de Management tenha sido efectivamente reconhecida em termos de recursos humanos ao nível do Mediterrâneo.
Quando começou o projecto?
Há três anos… Na verdade, há quatro, quando foi criada a Federação Mediterrânica de Recursos Humanos, a FMRH, em 2002, com as quatro associações latinas (de Portugal, França, Espanha e Itália) e três magrebinas (de Marrocos, Argélia e Tunísia); trata-se de uma federação que não tem recursos específicos e que teve a sua primeira reunião oficial em Marraquexe, em Janeiro de 2003. Há uma história de partilha entre estas associações, uma grande proximidade. O que aconteceu é que me surgiu como que uma intuição, a de que poderíamos fazer um projecto que permitisse aprofundar o trabalho da FMRH, um projecto que poderia ser apresentado na União Europeia, para ser financiado. Dessa forma poderíamos aprofundar aquilo que verdadeiramente somos, primeiro ao nível das competências no espaço euromediterrânico, porque ao nível dos recursos humanos há convergência, há práticas comuns… Portanto, apresentei o projecto, com temas a serem abordados, sobre os quais deveria haver reflexões. Era preciso estar de acordo sobre uma grelha de leitura comum; cada associação nacional ia estudar a função recursos humanos com um determinado número de critérios, e íamos partilhar os resultados de todos esses trabalhos. Isto num projecto para três anos. E foi o que aconteceu.
Não há uma tradição marcada ao nível dos recursos humanos de se trabalhar em projectos comuns a diversos países, com associações nacionais ligadas à gestão das pessoas nas organizações. Este acaba por ser de certa forma é pioneiro?
Bom, nós começámos, e isso é que é importante.
Mas por que razão é que aconteceu apenas nestes últimos três anos, com o «Projecto Ágora RH»?
Penso que chegou o momento de ao nível da sociedade civil, das associações, haver uma grande participação no desenvolvimento dos países. Por exemplo, quando se vai à Argélia, a Marrocos, vê-se que as respectivas associações nacionais de recursos humanos estão a ganhar importância. Em termos da função Recursos Humanos, neste projecto as várias associações envolvidas têm vindo a reflectir em conjunto sobre boas práticas, e isso também vai mexer com a sociedade. Porque há questões que se colocam e que são muito importantes… No caso das pequenas empresas, em que não há departamento de recursos humanos, as associações devem representar a função, têm o papel de dizer como é que actualmente os homens e as mulheres que trabalham nos países do espaço euromediterrânico devem ser tratados, como devem ser geridos, como devem ser motivados… A motivação é o coração da dinâmica e da produtividade das empresas. As empresas que não se preocupam em motivar as suas pessoas são as que estão numa situação de claro falhanço. Ora as associações envolvidas neste projecto representam a função Recursos Humanos, mesmo quando ela não existe nas empresas. No espaço euromediterrânico há muitas empresas pequenas, de duas ou três pessoas, nas quais não existe função Recursos Humanos. E é preciso mostrar claramente que essa função é importante, que tem um papel decisivo em qualquer organização.
O Mediterrâneo é um espaço de confluência de vários povos…
Sim, um espaço de partilha.
Mas ao mesmo tempo representa uma fronteira?
Sim.
Como vê esta contradição?
O Mediterrâneo, historicamente, sempre foi um grande espaço de trocas, de partilha, como disse. Mas foi também um espaço de confronto, regularmente, um espaço com algumas tensões. De qualquer maneira, as principais guerras não tiveram lugar no Mediterrâneo, tiveram lugar na Europa, entre a França e a Alemanha, ou a Suécia e a Polónia, ou entre a Inglaterra e a França. Hoje, sim, é verdade, é preciso acabar com a ideia de fronteira. Derrubou-se o Muro de Berlim, acabou a cortina de ferro entre a Europa do oeste e do leste, mas há um muro no Mar Mediterrâneo. Eu acho que esse muro está condenado, acho que só pode mesmo acabar. Falo sobretudo do Magreb com a França, com Espanha, com Portugal. Devemos trabalhar, reflectir, para permitir a mundialização das empresas do Magreb, para que a sociedade magrebina evolua para a plena democracia, para a plena liberdade, para o bem-estar, para uma sustentabilidade económica que satisfaça a generalidade das populações. E neste aspecto a função Recursos Humanos é essencial para a democracia, em qualquer país. A folha de salários é o coração da função Recursos Humanos… Os impostos, as contribuições para a segurança social, está lá tudo. E isso é algo fundamental para que um país funcione, para que haja redistribuição de riqueza, para que não se tenha trabalho clandestino, para que se possa irradiar a miséria, para que não se deixe a porta aberta a todas as arbitrariedades.
Essa é uma ideia que não está muito presente no cidadão comum. Na rua, por exemplo, se se perguntar pelas áreas mais importantes nas empresas provavelmente as primeiras a serem citadas são a financeira, a de marketing…
Admito que sim… Há aquela visão de considerar importante quem mexe no dinheiro, quem comunica. Por exemplo, na área financeira a prioridade é ter alguém que aponta tudo, que nalgumas horas consegue fazer um determinado trabalho especializado e pronto, por ter qualificações e um diploma. Mas a nível da função Recursos Humanos creio que se passa algo bem diferente. A função tornou-se complexa, trabalha com muitos métodos, com modelos, e exige que a cada momento se contextualize cada coisa – por oposição ao que acontece com o trabalho de um contabilista, por exemplo. É preciso adaptar os métodos a cada empresa, é preciso a inteligência de compreender o que importa que seja modificado, o que é fundamental conhecer para que as coisas façam sentido.
Talvez no que acaba de dizer esteja, em parte, a explicação para o sucesso dos cursos ligados à gestão das pessoas junto dos estudantes…
Talvez. Muitos jovens procuram a dimensão humana, sentem-se atraídos pelo universo das relações humanas. Têm um desejo de partilha, de mudar, de discutir. Apreciam uma visão mais dinâmica, mais social, as coisas mais tradicionais, ouvir as pessoas, estar atento. Tudo isto, no fundo, é gestão.
Voltando ao «Projecto Ágora RH» e ao espaço do Mediterrâneo... Será a União Europeia um problema para esse espaço? Ou seja, a União Europeia tem uma zona definida à partida, a Europa. Não acha que o Magreb, por exemplo, poderia integrar a União Europeia?
Sim e não… Se houver vontade de financiar os países pobres… Enfim, deve haver um sentimento de que a Europa não está sozinha, e deve procurar-se valorizar os projectos de financiamento dos países mais pobres.
Agora está na ordem do dia a questão da adesão da Turquia à União Europeia. Se a Turquia acabar por entrar, por que é que não poderão entrar os países do Magreb, mesmo sendo africanos? Há alguns deuses que impeçam isso?
Bom, posso responder a título pessoal…
Toda esta entrevista é a título pessoal.
A Turquia coloca um problema. Mas se você diz que há a Turquia e depois há o Magreb… Bom, o Magreb representa, em termos de população, o equivalente à Turquia. Grosso modo, o Magreb tem 70 milhões de pessoas e a Turquia a mesma coisa.
Dou-lhe o exemplo de Israel. No desporto, especialmente no futebol, foi preciso meter Israel na Europa. Imagine que um dia um clube de Tel Haviv ganhava a «Liga dos Campeões»… E afinal qual é a diferença entre a Roménia e a Argélia?
Tem razão. Mas digo isto a título pessoal... Enfim, eu tenho o sentimento de que o Magreb não tem a vocação de estar na Europa, mas considero que uma parceria de muita proximidade deve ser cada vez mais encorajada.
A partir da Cimeira de Barcelona, que veio redefinir a posição europeia de colaboração com o Magreb num quadro de cooperação inter-regional, passou a apontar-se para uma forte ligação em 2010…
Não sabemos se se vai concretizar. Há muitos atrasos. Só que é uma intenção. A abertura dos mercados, uma abertura económica… Mas quando se fala de liberdade de troca de mercadorias eu fico muito chocado, porque não se fala do mesmo em relação às pessoas.
Pelos visto, para Bruxelas as mercadorias valem mais do que as pessoas?
Parece… De qualquer forma, a troca de mercadorias entre as empresas, entre as economias de vários espaços, implica outras trocas, não apenas materiais… Falo de trocas virtuais, de ideias, e depois é preciso que haja pessoas envolvidas. Tudo isto ajuda a libertar as coisas também ao nível das pessoas. Portanto, se se fala de movimentos de mercadorias, logo há também movimentos de pessoas. Outro aspecto importante tem a ver com o seguinte… Se ajudarmos a desenvolver os países do Magreb, assim como o continente africano em geral, esse desenvolvimento implica que seja reduzida cada vez mais a miséria que faz com que milhares de pessoas queiram partir para a Europa. Ou seja, cria-se condições para que as pessoas possam ter uma vida digna nos seus países, sem que sejam obrigadas a procurar o mundo rico do norte.
Bom, eu pessoalmente gostaria de ter os meus vizinhos de Marrocos e da Argélia na União Europeia. Mas o «Projecto Ágora RH»… Está satisfeito com o percurso dos últimos três anos?
Sim.
Por quê?
Porque penso que foram produzidos conteúdos de qualidade, que houve reflexões importantes, que as pessoas estão interessadas. Este trabalho tornou-nos atractivos – a todos os participantes – em termos de recursos humanos. Há pessoas, associações, estruturas que vêm ter connosco porque nos consideram credíveis. Fazemos coisas interessantes. Repare, no colóquio final do projecto esteve presente Enrique Barón Crespo.
Acha que Barón Crespo é a imagem do político europeu?
Sim… Bom, se foi presidente do Parlamento Europeu e hoje é presidente da Comissão de Comércio Internacional desse mesmo parlamento, é porque os seus pares o consideram bom, é porque o seu perfil corresponde ao que eles pretendem. Mas ainda em relação ao projecto… Para mim, foi satisfatório, mas não é suficiente. Há muito mais a fazer, a associação de profissionais de recursos humanos da Eslovénia acabou por participar também…
E os outros países que estiveram no colóquio final como observadores?
Sim, Malta, Chipre, a Roménia, a Síria. Mesmo os casos do Senegal e da Hungria, que são exemplo de realidades que estão próximas de países do Mediterrâneo, em África e na Europa, respectivamente. A perspectiva é de que numa segunda fase do projecto eles se integrem plenamente. E há a Turquia… Todos estes países podem ajudar a tornar o trabalho mais completo.
O nome do projecto, «Ágora», vem da Grécia antiga, traduzindo a ideia de um espaço de liberdade…
Sim, um espaço de troca. E na História a Grécia é muito importante.
Mas os gregos não estão no projecto…
Mas virão, acredito que eles virão.
François Silva (n. Bordéus, 1952), doutorado em Sociologia pela Universidade de Toulouse e também com formação em Ciência Política, é professor da Euromed Ecole de Management, em Marselha (nomeadamente de disciplinas ligadas a recursos humanos), e professor Associado do Conservatoire National des Arts et Métiers (CNAM), em Paris. É presidente do Cercle d’Etudes Ethique et de Développement Sociétal (CE-DS), vice-presidente da Association Internationale de l’Audit Social (IAS) e secretário-geral da associação RH Sans Frontières. Na Euromed é também director de investigação, sendo nessa qualidade que coordena desde o início o «Projecto Ágora RH».
quarta-feira, 7 de maio de 2008
Edição de Maio
Uma apresentação, e também as crianças
Deu-me muito trabalho a apresentação, porque por mais que tente convencer-me do contrário a actividade contínua da revista não permite a disponibilidade – sobretudo mental – que outro tipo de actividades certamente permitiria. Tive de fazê-la por isso fora de horas, muitas vezes a cair de sono. Pior, na data marcada para ir apresentar o que tinha escrito estava a meio o fecho de mais uma edição e eu levava duas noites quase sem dormir. Mas lá fui; saí de casa perto das sete da manhã para chegar a horas a Lisboa, sem correr os riscos dos problemas do trânsito nas entradas. E mal acabou o painel em que estava integrado, a meio da manhã, corri para o escritório, para a etapa final de mais um número da revista.
Foi bom. A apresentação permitiu-me recordar muitas coisas que aconteceram ao longo de vários anos na «Pessoal», algumas delas que incluí no texto que preparei. O que escreveu Carlos Perdigão uma vez num artigo, que «os lugares mais exigentes e melhor remunerados no sector público e em muitas empresas privadas são ainda, em muitos casos, ocupados não pelos melhores e mais qualificados mas por aqueles que pertencem ao partido do governo, seja ele qual for, ou que têm uma relação de especial proximidade com os que decidem ou com os que influenciam a decisão, os vulgares ‘padrinhos’». Ou mais recentemente Rodolfo Begonha, sobre as cunhas… «Quando a cunha é acolhida sem reservas pelos dirigentes e gestores de empresas de forma completamente cega e estúpida, sem ter em conta os requisitos previstos para o papel ou a função a desempenhar, quando se ignoram as competências requeridas e as mais-valias detectadas em currículo e em entrevistas, presenciamos a antítese da gestão.» Ou Carlos Antunes, sobre a tão falada flexissegurança, que por aqui escrevemos com dois ésses, por causa do português… «Espero que a flexissegurança à portuguesa, cujo modelo andará certamente muito longe do dinamarquês, não desemboque em algo parecido como o modelo chinês de trabalho flexível, desregulamentado, de salários baixos e sem quaisquer direitos.»
Ou entrevistas como a de António Garcia Pereira, que classificou em 2004 o Código do Trabalho (de que agora se discute a revisão) como «um mono de mais de um milhar de artigos − o código mais a regulamentação –, ainda por cima com uma lógica de arrumação que não corresponde de todo à cultura habitual da abordagem dos assuntos.» Ou a de Luísa Schmidt, sobre o tema do ambiente mas na qual disse que mais do que com isso «a sociedade civil se preocupa primeiro com uma necessidade mais básica e imediata, o salário».
Estas e outras recordações de tantos números da «Pessoal». Por causa da apresentação. Ao mesmo tempo que se fechava mais uma edição, e uma de cujo percurso até ao resultado final gostei particularmente. Um dia, quase de certeza, vou recordar-me de algumas das coisas que preenchem as suas páginas, principalmente da entrevista que é tema de capa e das belas fotos das crianças a quem se procura mostrar os caminhos para o sucesso.
quinta-feira, 1 de maio de 2008
Uma apresentação
A gestão das pessoas nas organizações – algumas questões fundamentais vistas a partir da revista «Pessoal»; o sector ferroviário
Primeira parte: algumas questões fundamentais na gestão das pessoas, vistas a partir da revista «Pessoal»
Esta não é a apresentação inicialmente prevista. O que eu pretendia fazer era como que uma visita a algumas questões ligadas à gestão das pessoas nas organizações que considero fundamentais, sempre tendo como guia a revista «Pessoal», uma publicação que dirijo desde o Verão de 2002 e na qual eu e a equipa que me acompanha temos tido a preocupação de divulgar da melhor forma possível esta área da gestão.
O que eu previa era abordar cinco temas mais, digamos assim, tradicionais na gestão de recursos humanos: recrutamento, formação, motivação, avaliação do desempenho e compensação; temas esses que acabam por assentar numa lógica que de forma simplista se poderia ilustrar como acompanhando o percurso desde que uma pessoa toma contacto com uma organização até ser recompensada pelo trabalho que nela desenvolve.
Além destes cinco temas, eu previa falar de mais nove que no nosso país, e nesta área, por vezes têm vindo a ser objecto de acesa discussão: gestão por competências, novas tecnologias, legislação laboral, responsabilidade social, inovação, gestão da mudança, diversidade, gestão do talento e trabalho temporário; aqui sem nenhuma ordem particular.
Contudo, na concretização deste plano, rapidamente percebi que seria impossível abordar os catorze temas nos moldes em que previa, isto tendo em conta os condicionalismos, nomeadamente de dimensão do texto. Assim, decidi escolher cinco, dois do primeiro grupo e mais três do segundo. São eles recrutamento e avaliação do desempenho, do primeiro, e depois legislação laboral, diversidade e responsabilidade social.
Sobre cada um destes temas, aquilo que apresento a seguir são ideias que considero importantes e que foram publicadas na revista «Pessoal». Ideias de especialistas que com tantos outros ajudaram a concretizar ao longo de seis anos um projecto de informação na área da gestão das pessoas nas organizações, de uma forma ininterrupta e, mais importante do que isso, com uma sustentabilidade indiscutível.
Passemos então aos cinco temas, começando pelos que escolhi do primeiro grupo: recrutamento e avaliação do desempenho…
Em relação ao recrutamento, muitas vezes apresentado com a designação «recrutamento & selecção», parece-me que a situação no nosso país fica ilustrada em parte com algumas observações feitas por Jorge Horta Alves. Num trabalho que publicámos há poucos meses, o responsável máximo de uma consultora extremamente conceituada, a SHL Portugal, afirmava que «os estudos feitos ao longo da última década mostram-nos quais as formas de atrair os melhores candidatos transmitindo informação objectiva e recrutando através dos meios de comunicação social e da Internet» e também que «as investigações realizadas em diversos países dizem-nos qual a melhor forma de avaliar e seleccionar os candidatos utilizando testes, entrevistas e outras técnicas de assessment». Só que – defendia – «sabe-se pouco sobre os factores que determinam «a eficácia do recrutamento & selecção como um processo global». Sabe-se pouco sobre «o que faz os candidatos manterem-se ou abandonarem o processo de recrutamento, o que faz aceitarem ou recusarem uma oferta de emprego, a eficácia com que as organizações integram e mantêm os novos empregados, as razões que levam muitas empresas a recrutar novos empregados sem ligar essa decisão a uma necessidade real da estratégia e do desenvolvimento do negócio». Valendo-se da sua experiência, aquele responsável referia que «os recrutamentos mais bem sucedidos são aqueles em que se recruta para alcançar objectivos elevados, aqueles em que os candidatos são seleccionados segundo os mesmos critérios com que serão posteriormente avaliados, promovidos e remunerados.»
Há no entanto uma outra realidade a considerar ao nível do recrutamento. Carlos Perdigão, um jurista com fortes ligações à gestão de recursos humanos, fala da situação num texto sobre «os portugueses que, fora do país, frequentam mestrados ou doutoramentos ou participam em importantes projectos de investigação, ao abrigo de bolsas patrocinadas pelo Estado ou por fundações ou entidades relacionadas com o mundo científico e cultural». Na sua opinião, «é aparentemente estranho o facto de muitos desses portugueses se mostrarem apreensivos em relação ao futuro, sobretudo aqueles, cada vez menos, que tencionam regressar a Portugal», tudo porque se constata «não existir no nosso mercado de trabalho espaço para poderem continuar os seus projectos ou, pura e simplesmente, para poderem trabalhar no sector estatal ou no empresarial», além de que «o problema estende-se aos actuais recém-formados, 20% dos quais procuram colocação no estrangeiro, perante a falta de oportunidades no seu próprio país». Para o jurista, este «aparente paradoxo» tem uma explicação simples: «os lugares mais exigentes e melhor remunerados no sector público e em muitas empresas privadas são ainda, em muitos casos, ocupados não pelos melhores e mais qualificados mas por aqueles que pertencem ao partido do governo, seja ele qual for, ou que têm uma relação de especial proximidade com os que decidem ou com os que influenciam a decisão, os vulgares ‘padrinhos’». Carlos Perdigão refere que «muitas pessoas que chegam a lugares de topo no sector público empresarial, por exemplo, não resistiriam sequer ao crivo de uma modesta avaliação curricular», e cita um empresário, antigo ministro e dirigente de um partido político que há cerca de um ano declarou a um jornal diário de âmbito nacional: «Meti dezenas, centenas de cunhas, com todo o prazer.»
Ainda a propósito desta realidade, é de assinalar a opinião de um gestor, Rodolfo Begonha, que diz: «Quando a cunha é acolhida sem reservas pelos dirigentes e gestores de empresas de forma completamente cega e estúpida, sem ter em conta os requisitos previstos para o papel ou a função a desempenhar, quando se ignoram as competências requeridas e as mais-valias detectadas em currículo e em entrevistas (seja em termos de formação adequada, seja em termos de características reveladas e em experiência profissional), presenciamos a antítese da gestão.»
Segundo tema do primeiro grupo, neste caso de forma quase telegráfica, a avaliação do desempenho… Pedro Romão Figueiredo, líder do Active Management Group, uma instituição focada no estudo, no desenho e na implementação de sistemas de gestão de desempenho, assinala que por cá «são poucos os casos de sucesso em termos de boas práticas dos sistemas de gestão de desempenho instalados» e que «onde eles são mais eficazes é na orçamentação – pouco contribuindo para ajudar a compreender os factores de sucesso –, na motivação de empregados e na base para premiar os melhores». E o presidente da Associação Portuguesa dos Gestores e Técnicos dos Recursos Humanos (APG), Jorge Marques, fala de «incluir nos sistemas de avaliação do desempenho a componente da gestão dos objectivos». Isto por quê? Porque «a avaliação do desempenho enquanto medição do que aconteceu no passado, ou seja, feita à imagem e à semelhança da mentalidade contabilística da apresentação de resultados e contas, tem cada vez menos significado; o que já aconteceu não se pode modificar, e nada garante que as lições do passado possam ter alguma utilidade na nova realidade do futuro». Ou seja, a avaliação do desempenho, algo «que já foi quase exclusivamente técnico, na perspectiva da gestão dos recursos humanos deve ser um instrumento estratégico de gestão das organizações, onde os profissionais de recursos humanos têm o papel de construtores do futuro e não de contabilistas do passado».
E chegamos ao segundo grupo de temas. Começamos com a legislação laboral... Em 2004, numa entrevista que nos concedeu, o advogado António Garcia Pereira considerava o Código do Trabalho como «um mono». Explicava-se assim: «Pegou-se na legislação laboral e perguntou-se, isto é um amontoado enorme, uma coisa assistemática, que corresponde a funções distanciadas no tempo 30 anos, portanto é preciso fazer uma coisa nova, moderna, sistematizada, eficaz, digamos, fácil de manusear? Não, produziu-se foi um mono de mais de um milhar de artigos − o código mais a regulamentação −, e ainda por cima com uma lógica de arrumação que não corresponde de todo à cultura habitual da abordagem dos assuntos.» Trata-se, como sabemos, do actual Código do Trabalho, que na altura era bem recente e que rapidamente começou a suscitar opiniões de que deveria ser revisto. A propósito deste afã de produzir novas leis, veja-se o que diz o jurista Carlos Perdigão, que já anteriormente citei, numa entrevista deste ano: «Não será pela via das sucessivas reformas da legislação laboral que Portugal recuperará a sua economia e projectará as suas empresas. A situação actual é, aliás, paradigmática a tal respeito: o Código do Trabalho tinha, entre as suas principais prioridades, a promoção da adaptabilidade e da flexibilidade da disciplina laboral e a abertura a novas formas de trabalho. Quatro anos volvidos sobre a aprovação do diploma, é de flexibilidade e de adaptabilidade que se continua a falar, como se nada afinal tivesse acontecido.» Comparando com o que se passa aqui mesmo ao lado, Carlos Perdigão assinala: «A Espanha, ao contrário de Portugal, tem apostado bastante no diálogo social e na alteração do paradigma a nível de contratação, com clara prioridade para as soluções assentes na estabilidade contratual e do emprego e consequente subalternização da contratação atípica. Ao que parece, com bons resultados, a avaliar pelos indicadores conhecidos. O Estatuto de los Trabajadores, comparativamente com o nosso Código do Trabalho, é um instrumento bem mais reduzido, acessível e compreensível, e desse ponto de vista parece mais talhado para menor evasão e controvérsia.»
Ainda sobre questões de legislação laboral, uma nota para a tão falada flexissegurança. Carlos Antunes, um jurista que integra os quadros do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, alerta para «a impossibilidade de adopção do modelo de flexissegurança dinamarquês – combinação da flexibilidade de despedir com a segurança no (des)emprego – às relações de trabalho em Portugal, tendo em conta a inexistência no nosso país de um conjunto de pressupostos nos quais assenta o sucesso do modelo dinamarquês: forte carga fiscal, correspondente a 49 % do produto interno bruto (PIB), geralmente bem aceite e culturalmente cumprida pela população dinamarquesa desde os empresários aos trabalhadores; um montante de despesas públicas consagradas às políticas do mercado de trabalho de 4,4 % do PIB, o valor mais elevado da Europa; atribuição de subsídios de desemprego correspondentes a 90% do último salário (cujo valor médio mensal é de 2.000 euros); um período médio de catorze dias entre a perda do emprego e a entrada num novo emprego; a mais elevada taxa de sindicalização da União Europeia (80% da população activa está sindicalizada); e um processo decisório e de aplicação de medidas em domínios como os de condições de trabalho, políticas de formação ou reformas estruturais do mercado de trabalho baseadas nas convenções estabelecidas entre os parceiros sociais, nas quais há um primado quase absoluto da contratação colectiva sobre a lei do trabalho». Carlos Antunes espera por isso – como eu próprio espero, obviamente – que «a flexissegurança à portuguesa, cujo modelo andará certamente muito longe do dinamarquês, não desemboque em algo parecido com o modelo chinês de trabalho flexível, desregulamentado, de salários baixos e sem quaisquer direitos.»
Outro tema, a diversidade, para o qual escolhi duas questões: a igualdade entre géneros e a discriminação racial. Primeira questão, um trabalho sobre as mulheres nas empresas onde a opinião unânime foi de que estamos longe da igualdade. As entrevistadas foram mulheres (directoras de recursos humanos de empresas bem relevantes do nosso país), que no entanto acreditam que a situação poderá mudar, embora não a curto prazo. Das entrevistadas, escolhi três exemplos. Ana Barata, directora de recursos humanos da AR Telecom, acredita que vai haver equilíbrio de géneros nos cargos de topo porque «ao longo dos últimos anos esta tendência tem vindo a aumentar e cada vez mais as organizações gerem e premeiam os seus colaboradores de acordo com as competências e o mérito». Isabel Moisés, directora-geral de recursos humanos e comunicação interna da Sociedade Central de Cervejas e Bebidas, acha que chegaremos a um tempo em que «não haverá grandes distinções entre homens e mulheres nas administrações das empresas e em que nos mais diversos níveis das organizações não haverá discrepâncias entre o salário que é pago a um homem e o que é pago a uma mulher»; mas assinala que «no que se refere à quantidade de mulheres nos altos cargos das administrações, como chief executive officer (CEO) ou chief financial officer (CFO), por exemplo, esse tempo demorará no nosso país mais vinte anos a chegar»; nos salários é que não vê tantas discrepâncias. Já Marina Peres, directora de recursos humanos do Grupo Águas do Areeiro, acredita que «relativamente a lugares de topo a relação não será linear, dado o peso da tradição», e que «será necessário que, para além da formação académica, as mulheres demonstrem elevada competência, motivação e a disponibilidade de tempo que estes cargos requerem, bem como uma boa capacidade de organização pessoal e familiar extra-trabalho».
Quanto à discriminação racial, escolhi excertos do que disse Rui Marques (entrevistado enquanto Alto-Comissário para a Imigração e o Diálogo Intercultural, cargo que recentemente deixou) sobre a situação portuguesa: «Muitos jovens que tentam aceder a um emprego, pelo facto de morarem onde moram, pela cor da sua pele, são afastados de oportunidades, o que é uma tremenda injustiça. Temos todos que fazer um esforço e combater o preconceito, o estereótipo, formas invisíveis e não-ditas de discriminação que são muito injustas. Não se trata de discriminação positiva, não se está a dar aos imigrantes ou a quem vem de bairros pobres mais do que se dá a outro cidadão.» Rui Marques faz notar… «A diversidade que hoje temos é uma enorme riqueza para o nosso país. A diversidade cultural é o que faz a força das sociedades actuais, porque é num clima de diversidade cultural que a inovação pode ser gerada. Também apresenta desafios; é preciso que se saiba fazer viver juntos, fazer conviver pessoas com diferentes religiões, diferentes culturas, diferentes histórias pessoais… E da mesma forma que para uma sociedade a diversidade é um factor competitivo à escala global, os países que sabem usar melhor a diversidade são mais competitivos em termos internacionais. No quadro das empresas isso é fundamental, porque só em ambiente de grande diversidade é que a criatividade e a inovação atingem o seu expoente máximo.»
Finalmente, a responsabilidade social… Aqui uma primeira opinião que não tem a ver com a generalidade das empresas mas sim com o universo público; opinião de um académico, José Manuel Moreira, da Universidade de Aveiro, a propósito da pergunta «Não lhe parece que o conceito de responsabilidade social tem encontrado um caminho mais fácil nas empresas do que nas instituições públicas?»: «Isso resulta em parte de uma pressão que se exerce sobre os privados e que se sente menos – ou quase não se sente – nas instituições públicas. E também se justifica pelo facto de se tender a associar uma empresa privada a algo culpável; e se dá lucro é ainda mais culpável. Assim se explica, infelizmente, que tanta gente se interesse pela responsabilidade social empresarial, mas pelas piores razões. Por sua vez, às instituições públicas associamos o bem público, o que é próprio dos políticos, dos burocratas e dos grupos de pressão, e portanto a algo generoso e benéfico. A coisa não é bem assim, mas foi assim que aprendemos, e é assim que a vemos. A empresa municipal polui, o Estado paga com meses e anos de atraso, a Justiça não funciona, mas mesmo assim não se vai considerar que ao Estado falta responsabilidade social. Considerar que o Estado social pode favorecer e mesmo fomentar a fraude, a corrupção e outros comportamentos anti-sociais é próprio de gente má e maldosa. O truque está em identificar Estado com sociedade, levando-nos a pensar que Estado de bem-estar é o mesmo que sociedade de bem-estar.»
Ainda dentro da responsabilidade social, um destaque para as questões ambientais, até por terem uma importância notória no sector ferroviário – sector a que em concreto me referirei a seguir. Escolhi algumas opiniões de uma personalidade marcante em termos do que são em Portugal as preocupações ambientais, Luísa Schmidt, que entrevistámos. Sobre como vêem as empresas o investimento na área do ambiente, disse o seguinte: «Há casos de visão estratégica. Mas isso não se verifica na maioria das pequenas e médias empresas (PME), que são quem revitaliza a economia. E tem-se feito muito pouco para as estimular. A política económica está mais virada para os grandes grupos do que para as PME.» Sobre o desempenho ambiental das empresas em Portugal… «O tecido empresarial português ainda não está verdadeiramente sensibilizado para estas questões. Até a nível das grandes empresas o desempenho não é nada brilhante. Há muitas dessas empresas que são péssimas. Temos os exemplos do sector das celuloses, das centrais térmicas, das cimenteiras... Se olharmos para as grandes indústrias, verificamos que tudo o que foi feito até agora deixa muito a desejar. Apesar de ter havido muitos contratos-programa, não houve grandes reflexos a nível da modernização tecnológica. Não há actualização por parte dos empresários relativamente a esta matéria, sendo que há sectores muito mais evoluídos do que outros.» Sobre se as novas gerações ligadas à gestão das empresas poderão estar mais sensibilizadas para estas questões… «Têm mais informação e estudaram muito mais estas matérias do que as anteriores. São matérias que começam a penetrar nos próprios programas escolares e até nos media. Apesar de ainda não se fazer a divulgação desejável, já se vai falando. Existe, portanto, um muito maior conhecimento sobre estas matérias nos novos empresários, que também beneficiaram de uma maior abertura do país, contactando com empresários para os quais esta já é uma questão trivial. Também começam a aparecer novas profissões, como engenharia do ambiente, por exemplo, e existe um enorme dossier de empresas só ligadas ao sector ambiental, o que demonstra que se trata de um sector de grande investimento, que se está a desenvolver. Agora que também existem outros que não têm essa consciência, isso é evidente… Ainda há determinados vícios na forma de funcionamento do país.» E por falar em «funcionamento do país», sobre o Estado… «Tudo isto tem um bocado a ver com a permissividade do Estado, que devia exercer um controlo mais apertado sobre a actividade das empresas e não o faz.» Isto logo seguido da referência ao facto de a sociedade civil se preocupar «primeiro com uma necessidade mais básica e imediata, o salário».
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Segunda parte: o sector ferroviário
Vou agora centrar-me apenas no sector ferroviário. Esta parte é necessariamente mais curta, porque não conheço o sector de forma a fazer muitas considerações e muito menos de forma a sobre ele apresentar certezas. De qualquer maneira, deixo algumas ideias, a partir da minha própria sensibilidade e também de alguns comentários que procurei ouvir.
»»» O sector ferroviário faz parte de um aparente paradoxo: ao mesmo tempo que são abertas novas auto-estradas, são encerradas vias-férreas. Num tempo em que a questão energética ganha cada vez maior importância, camiões (mercadorias) e até autocarros (pessoas) sobrepõem-se claramente ao comboio. Surgindo um pouco como contraponto deste aparente paradoxo, realço no entanto a expansão das redes de metro nas duas maiores áreas urbanas do país.
»»» Parece-me que se trata de um sector amarrado a uma certa necessidade política de paz social. O receio de paralização, nomeadamente do transporte de passageiros, poderá por isso colocar dificuldades em termos de gestão. A própria gestão poderá ser influenciada por constrangimentos a nível político.
»»» A questão da responsabilidade social deve aqui colocar-se de forma clara, pelo que referi no tópico anterior e por estarmos a falar de um universo marcadamente público, e também pela envolvência das questões ambientais em termos da actividade em todo o sector ferroviário.
»»» Associada às questões da responsabilidade social, refiro um «código de ética e de conduta» numa empresa do sector ferroviário, a Refer. Com ele, segundo apurei, pretende-se «reforçar os padrões éticos em todos os seus domínios de actuação, na expectativa de que tal venha a constituir um pilar fundamental da política de responsabilidade social da empresa». Através do documento «são dados a conhecer os valores preconizados, vividos e exigidos na empresa, estimulando relações crescentes de confiança mútua com todos os seus interlocutores e, de uma forma geral, com todas as comunidades a quem presta, directa ou indirectamente, os seus serviços».
»»» A gestão de recursos humanos no sector tem hoje um enquadramento diferente do que existia há alguns anos. A separação das actividades de comboios, exploração das linhas e manutenção de equipamento ferroviário resultou numa alteração de paradigma a nível organizacional. Creio que poderá ter conduzido a um enfraquecimento de algo a que talvez se pudesse chamar «cultura organizacional ferroviária» e a uma crise de identidade latente entre os ferroviários, cuja unidade como classe profissional era especialmente reconhecida. A isto, acresce o próprio redimensionamento das vias.
»»» Uma nota para alguns dados que recolhi junto do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social (MTSS), dados que dizem respeito apenas à CP. Em relação a conflitualidade laboral, houve seis greves em 2006, 20 em 2007 e sete em 2008 (até final de Março). Sindicatos foram-me referidos 35, com a indicação de que «apenas sete são representativos» e de que o Sindicato dos Maquinistas (SMAQ), um sindicato independente, é o único que em caso de greve pode efectivamente paralisar a empresa (deste sindicato não se registam greves há mais de quatro anos). Quanto à legislação laboral aplicável, referiram-me o Código do Trabalho e instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho (IRCT), existindo seis acordos de empresa celebrados com aqueles sindicatos considerados «mais representativos». Já fora dos dados do MTSS, e agora neste caso para a Refer, encontrei a referência a 20 sindicatos, sendo a taxa de sindicalização de 74%.
»»» No âmbito da formação, as exigências são muito significativas. Está em causa a segurança da circulação, com milhões de passageiros, o que exige a preparação e a certificação de todos os agentes que operam no âmbito da condução. Destaco aqui o facto de existir uma ideia de excelência em relação à formação técnica que é disponibilizada para os profissionais do sector.
»»» Historicamente pode falar-se de uma prevalência de quadros com formação em engenharia em cargos de gestão, sendo que nisso o sector não é caso único. A componente de gestão deve ser tida especialmente em conta no que diz respeito a cargos de topo, para que não se caia em situações em que haja actualização no que respeita à tecnologia do negócio (ou dos negócios) mas não em relação à tecnologia aplicada à gestão.
»»» Uma questão importante tem a ver com a necessidade de conciliar a saúde e a segurança dos trabalhadores ferroviários em geral com o imperativo de garantir flexibilidade na prestação dos serviços. A organização e a duração do trabalho emergem como sendo dos aspectos mais salientes, face às questões colocadas a nível de prestação de trabalho nocturno, descanso fora do domicílio ou tempos de condução, por exemplo.
»»» Em termos de avaliação do desempenho, deve apostar-se em distinguir as pessoas; esta preocupação deve estar presente em todo o sistema de carreiras e de compensações, evitando esquemas pesados e de excessiva regulamentação.
»»» Inovação (nomeadamente novas tecnologias) e gestão da mudança estarão sempre a par no sector ferroviário. O aparecimento de novos comboios, com destaque para os da rede da alta velocidade, e de sofisticados equipamentos de apoio à circulação impõem cuidados especiais em termos de formação profissional e de políticas de recrutamento de todos os agentes envolvidos ou a envolver. Exigem também políticas adequadas de gestão da mudança, tendo em vista a sucessiva adaptação dos trabalhadores a novas e diversificadas exigências. Não é nada, em todo o caso, que seja exclusivo do sector.
»»» Por fim, em termos de diversidade, e mais especificamente no que diz respeito à presença feminina neste sector, uma nota para um trabalho do jornal «Expresso», publicado no passado dia oito de Março (Dia Internacional da Mulher). O trabalho não era apenas sobre o sector ferroviário, mas sobre o dos transportes, e num universo público. Destacava a presença de mulheres nos cargos de topo, fazendo notar o facto de se «escolher mulheres para liderar num sector tradicionalmente masculino», algo que resultaria de «uma linha de orientação da secretária de Estado dos Transportes, Ana Paula Vitorino»; referia-se que «foi esta engenheira civil a primeira mulher em Portugal a ser escolhida para ditar as políticas nos sectores marítimo-portuário, logístico, ferroviário, de transportes urbanos e rodoviários» e também que a sua intenção seria a de «puxar para o topo as mulheres». Referia-se ainda que a secretária de Estado tinha catorze líderes de primeira linha que eram mulheres – creio que entretanto a situação terá sofrido alterações –, isto quando à chegada da secretária de Estado ao cargo não havia uma só mulher nos lugares de topo que ela ia tutelar; para três anos depois a denominada «liderança no feminino» atingir os 20%.