Último post sobre o projecto «Ágora RH» (explicação do projecto no post 1 sobre este tema); a entrevista com o seu principal responsável.
François Silva
Uma experiência para continuar
O coordenador do «Projecto Ágora RH» acredita, ao fim de três anos de trabalho conjunto, que a experiência vai continuar e chegar a outros países do espaço do Mediterrâneo. Entrevista com um homem que considera que «chegou o momento de ao nível da sociedade civil, das associações, haver uma grande participação no desenvolvimento dos países».
Chama-se François Silva e é professor universitário em Marselha o coordenador do «Projecto Ágora RH». Para começar, sabe muito bem o uso que por cá é dado ao apelido Silva.
O senhor é francês, vi no seu currículo que nasceu em Bordéus… Sabe que o seu apelido é o mais comum em Portugal?
Sim, e também existe em África, e noutras zonas do mundo. Tem a ver com a diáspora portuguesa. O apelido é de origem judaica… Os judeus partiram para todo o lado.
É professor na Euromed, em Marselha. Como é que aparece ligado ao «Projecto Ágora RH»?
Sou professor, de cadeiras que têm a ver com a função Recursos Humanos. E estou ligado à área de investigação da escola; é a esse título que tenho a meu cargo a coordenação do projecto, que propus à escola. O projecto fez com que a competência da Euromed Ecole de Management tenha sido efectivamente reconhecida em termos de recursos humanos ao nível do Mediterrâneo.
Quando começou o projecto?
Há três anos… Na verdade, há quatro, quando foi criada a Federação Mediterrânica de Recursos Humanos, a FMRH, em 2002, com as quatro associações latinas (de Portugal, França, Espanha e Itália) e três magrebinas (de Marrocos, Argélia e Tunísia); trata-se de uma federação que não tem recursos específicos e que teve a sua primeira reunião oficial em Marraquexe, em Janeiro de 2003. Há uma história de partilha entre estas associações, uma grande proximidade. O que aconteceu é que me surgiu como que uma intuição, a de que poderíamos fazer um projecto que permitisse aprofundar o trabalho da FMRH, um projecto que poderia ser apresentado na União Europeia, para ser financiado. Dessa forma poderíamos aprofundar aquilo que verdadeiramente somos, primeiro ao nível das competências no espaço euromediterrânico, porque ao nível dos recursos humanos há convergência, há práticas comuns… Portanto, apresentei o projecto, com temas a serem abordados, sobre os quais deveria haver reflexões. Era preciso estar de acordo sobre uma grelha de leitura comum; cada associação nacional ia estudar a função recursos humanos com um determinado número de critérios, e íamos partilhar os resultados de todos esses trabalhos. Isto num projecto para três anos. E foi o que aconteceu.
Não há uma tradição marcada ao nível dos recursos humanos de se trabalhar em projectos comuns a diversos países, com associações nacionais ligadas à gestão das pessoas nas organizações. Este acaba por ser de certa forma é pioneiro?
Bom, nós começámos, e isso é que é importante.
Mas por que razão é que aconteceu apenas nestes últimos três anos, com o «Projecto Ágora RH»?
Penso que chegou o momento de ao nível da sociedade civil, das associações, haver uma grande participação no desenvolvimento dos países. Por exemplo, quando se vai à Argélia, a Marrocos, vê-se que as respectivas associações nacionais de recursos humanos estão a ganhar importância. Em termos da função Recursos Humanos, neste projecto as várias associações envolvidas têm vindo a reflectir em conjunto sobre boas práticas, e isso também vai mexer com a sociedade. Porque há questões que se colocam e que são muito importantes… No caso das pequenas empresas, em que não há departamento de recursos humanos, as associações devem representar a função, têm o papel de dizer como é que actualmente os homens e as mulheres que trabalham nos países do espaço euromediterrânico devem ser tratados, como devem ser geridos, como devem ser motivados… A motivação é o coração da dinâmica e da produtividade das empresas. As empresas que não se preocupam em motivar as suas pessoas são as que estão numa situação de claro falhanço. Ora as associações envolvidas neste projecto representam a função Recursos Humanos, mesmo quando ela não existe nas empresas. No espaço euromediterrânico há muitas empresas pequenas, de duas ou três pessoas, nas quais não existe função Recursos Humanos. E é preciso mostrar claramente que essa função é importante, que tem um papel decisivo em qualquer organização.
O Mediterrâneo é um espaço de confluência de vários povos…
Sim, um espaço de partilha.
Mas ao mesmo tempo representa uma fronteira?
Sim.
Como vê esta contradição?
O Mediterrâneo, historicamente, sempre foi um grande espaço de trocas, de partilha, como disse. Mas foi também um espaço de confronto, regularmente, um espaço com algumas tensões. De qualquer maneira, as principais guerras não tiveram lugar no Mediterrâneo, tiveram lugar na Europa, entre a França e a Alemanha, ou a Suécia e a Polónia, ou entre a Inglaterra e a França. Hoje, sim, é verdade, é preciso acabar com a ideia de fronteira. Derrubou-se o Muro de Berlim, acabou a cortina de ferro entre a Europa do oeste e do leste, mas há um muro no Mar Mediterrâneo. Eu acho que esse muro está condenado, acho que só pode mesmo acabar. Falo sobretudo do Magreb com a França, com Espanha, com Portugal. Devemos trabalhar, reflectir, para permitir a mundialização das empresas do Magreb, para que a sociedade magrebina evolua para a plena democracia, para a plena liberdade, para o bem-estar, para uma sustentabilidade económica que satisfaça a generalidade das populações. E neste aspecto a função Recursos Humanos é essencial para a democracia, em qualquer país. A folha de salários é o coração da função Recursos Humanos… Os impostos, as contribuições para a segurança social, está lá tudo. E isso é algo fundamental para que um país funcione, para que haja redistribuição de riqueza, para que não se tenha trabalho clandestino, para que se possa irradiar a miséria, para que não se deixe a porta aberta a todas as arbitrariedades.
Essa é uma ideia que não está muito presente no cidadão comum. Na rua, por exemplo, se se perguntar pelas áreas mais importantes nas empresas provavelmente as primeiras a serem citadas são a financeira, a de marketing…
Admito que sim… Há aquela visão de considerar importante quem mexe no dinheiro, quem comunica. Por exemplo, na área financeira a prioridade é ter alguém que aponta tudo, que nalgumas horas consegue fazer um determinado trabalho especializado e pronto, por ter qualificações e um diploma. Mas a nível da função Recursos Humanos creio que se passa algo bem diferente. A função tornou-se complexa, trabalha com muitos métodos, com modelos, e exige que a cada momento se contextualize cada coisa – por oposição ao que acontece com o trabalho de um contabilista, por exemplo. É preciso adaptar os métodos a cada empresa, é preciso a inteligência de compreender o que importa que seja modificado, o que é fundamental conhecer para que as coisas façam sentido.
Talvez no que acaba de dizer esteja, em parte, a explicação para o sucesso dos cursos ligados à gestão das pessoas junto dos estudantes…
Talvez. Muitos jovens procuram a dimensão humana, sentem-se atraídos pelo universo das relações humanas. Têm um desejo de partilha, de mudar, de discutir. Apreciam uma visão mais dinâmica, mais social, as coisas mais tradicionais, ouvir as pessoas, estar atento. Tudo isto, no fundo, é gestão.
Voltando ao «Projecto Ágora RH» e ao espaço do Mediterrâneo... Será a União Europeia um problema para esse espaço? Ou seja, a União Europeia tem uma zona definida à partida, a Europa. Não acha que o Magreb, por exemplo, poderia integrar a União Europeia?
Sim e não… Se houver vontade de financiar os países pobres… Enfim, deve haver um sentimento de que a Europa não está sozinha, e deve procurar-se valorizar os projectos de financiamento dos países mais pobres.
Agora está na ordem do dia a questão da adesão da Turquia à União Europeia. Se a Turquia acabar por entrar, por que é que não poderão entrar os países do Magreb, mesmo sendo africanos? Há alguns deuses que impeçam isso?
Bom, posso responder a título pessoal…
Toda esta entrevista é a título pessoal.
A Turquia coloca um problema. Mas se você diz que há a Turquia e depois há o Magreb… Bom, o Magreb representa, em termos de população, o equivalente à Turquia. Grosso modo, o Magreb tem 70 milhões de pessoas e a Turquia a mesma coisa.
Dou-lhe o exemplo de Israel. No desporto, especialmente no futebol, foi preciso meter Israel na Europa. Imagine que um dia um clube de Tel Haviv ganhava a «Liga dos Campeões»… E afinal qual é a diferença entre a Roménia e a Argélia?
Tem razão. Mas digo isto a título pessoal... Enfim, eu tenho o sentimento de que o Magreb não tem a vocação de estar na Europa, mas considero que uma parceria de muita proximidade deve ser cada vez mais encorajada.
A partir da Cimeira de Barcelona, que veio redefinir a posição europeia de colaboração com o Magreb num quadro de cooperação inter-regional, passou a apontar-se para uma forte ligação em 2010…
Não sabemos se se vai concretizar. Há muitos atrasos. Só que é uma intenção. A abertura dos mercados, uma abertura económica… Mas quando se fala de liberdade de troca de mercadorias eu fico muito chocado, porque não se fala do mesmo em relação às pessoas.
Pelos visto, para Bruxelas as mercadorias valem mais do que as pessoas?
Parece… De qualquer forma, a troca de mercadorias entre as empresas, entre as economias de vários espaços, implica outras trocas, não apenas materiais… Falo de trocas virtuais, de ideias, e depois é preciso que haja pessoas envolvidas. Tudo isto ajuda a libertar as coisas também ao nível das pessoas. Portanto, se se fala de movimentos de mercadorias, logo há também movimentos de pessoas. Outro aspecto importante tem a ver com o seguinte… Se ajudarmos a desenvolver os países do Magreb, assim como o continente africano em geral, esse desenvolvimento implica que seja reduzida cada vez mais a miséria que faz com que milhares de pessoas queiram partir para a Europa. Ou seja, cria-se condições para que as pessoas possam ter uma vida digna nos seus países, sem que sejam obrigadas a procurar o mundo rico do norte.
Bom, eu pessoalmente gostaria de ter os meus vizinhos de Marrocos e da Argélia na União Europeia. Mas o «Projecto Ágora RH»… Está satisfeito com o percurso dos últimos três anos?
Sim.
Por quê?
Porque penso que foram produzidos conteúdos de qualidade, que houve reflexões importantes, que as pessoas estão interessadas. Este trabalho tornou-nos atractivos – a todos os participantes – em termos de recursos humanos. Há pessoas, associações, estruturas que vêm ter connosco porque nos consideram credíveis. Fazemos coisas interessantes. Repare, no colóquio final do projecto esteve presente Enrique Barón Crespo.
Acha que Barón Crespo é a imagem do político europeu?
Sim… Bom, se foi presidente do Parlamento Europeu e hoje é presidente da Comissão de Comércio Internacional desse mesmo parlamento, é porque os seus pares o consideram bom, é porque o seu perfil corresponde ao que eles pretendem. Mas ainda em relação ao projecto… Para mim, foi satisfatório, mas não é suficiente. Há muito mais a fazer, a associação de profissionais de recursos humanos da Eslovénia acabou por participar também…
E os outros países que estiveram no colóquio final como observadores?
Sim, Malta, Chipre, a Roménia, a Síria. Mesmo os casos do Senegal e da Hungria, que são exemplo de realidades que estão próximas de países do Mediterrâneo, em África e na Europa, respectivamente. A perspectiva é de que numa segunda fase do projecto eles se integrem plenamente. E há a Turquia… Todos estes países podem ajudar a tornar o trabalho mais completo.
O nome do projecto, «Ágora», vem da Grécia antiga, traduzindo a ideia de um espaço de liberdade…
Sim, um espaço de troca. E na História a Grécia é muito importante.
Mas os gregos não estão no projecto…
Mas virão, acredito que eles virão.
François Silva (n. Bordéus, 1952), doutorado em Sociologia pela Universidade de Toulouse e também com formação em Ciência Política, é professor da Euromed Ecole de Management, em Marselha (nomeadamente de disciplinas ligadas a recursos humanos), e professor Associado do Conservatoire National des Arts et Métiers (CNAM), em Paris. É presidente do Cercle d’Etudes Ethique et de Développement Sociétal (CE-DS), vice-presidente da Association Internationale de l’Audit Social (IAS) e secretário-geral da associação RH Sans Frontières. Na Euromed é também director de investigação, sendo nessa qualidade que coordena desde o início o «Projecto Ágora RH».
François Silva
Uma experiência para continuar
O coordenador do «Projecto Ágora RH» acredita, ao fim de três anos de trabalho conjunto, que a experiência vai continuar e chegar a outros países do espaço do Mediterrâneo. Entrevista com um homem que considera que «chegou o momento de ao nível da sociedade civil, das associações, haver uma grande participação no desenvolvimento dos países».
Chama-se François Silva e é professor universitário em Marselha o coordenador do «Projecto Ágora RH». Para começar, sabe muito bem o uso que por cá é dado ao apelido Silva.
O senhor é francês, vi no seu currículo que nasceu em Bordéus… Sabe que o seu apelido é o mais comum em Portugal?
Sim, e também existe em África, e noutras zonas do mundo. Tem a ver com a diáspora portuguesa. O apelido é de origem judaica… Os judeus partiram para todo o lado.
É professor na Euromed, em Marselha. Como é que aparece ligado ao «Projecto Ágora RH»?
Sou professor, de cadeiras que têm a ver com a função Recursos Humanos. E estou ligado à área de investigação da escola; é a esse título que tenho a meu cargo a coordenação do projecto, que propus à escola. O projecto fez com que a competência da Euromed Ecole de Management tenha sido efectivamente reconhecida em termos de recursos humanos ao nível do Mediterrâneo.
Quando começou o projecto?
Há três anos… Na verdade, há quatro, quando foi criada a Federação Mediterrânica de Recursos Humanos, a FMRH, em 2002, com as quatro associações latinas (de Portugal, França, Espanha e Itália) e três magrebinas (de Marrocos, Argélia e Tunísia); trata-se de uma federação que não tem recursos específicos e que teve a sua primeira reunião oficial em Marraquexe, em Janeiro de 2003. Há uma história de partilha entre estas associações, uma grande proximidade. O que aconteceu é que me surgiu como que uma intuição, a de que poderíamos fazer um projecto que permitisse aprofundar o trabalho da FMRH, um projecto que poderia ser apresentado na União Europeia, para ser financiado. Dessa forma poderíamos aprofundar aquilo que verdadeiramente somos, primeiro ao nível das competências no espaço euromediterrânico, porque ao nível dos recursos humanos há convergência, há práticas comuns… Portanto, apresentei o projecto, com temas a serem abordados, sobre os quais deveria haver reflexões. Era preciso estar de acordo sobre uma grelha de leitura comum; cada associação nacional ia estudar a função recursos humanos com um determinado número de critérios, e íamos partilhar os resultados de todos esses trabalhos. Isto num projecto para três anos. E foi o que aconteceu.
Não há uma tradição marcada ao nível dos recursos humanos de se trabalhar em projectos comuns a diversos países, com associações nacionais ligadas à gestão das pessoas nas organizações. Este acaba por ser de certa forma é pioneiro?
Bom, nós começámos, e isso é que é importante.
Mas por que razão é que aconteceu apenas nestes últimos três anos, com o «Projecto Ágora RH»?
Penso que chegou o momento de ao nível da sociedade civil, das associações, haver uma grande participação no desenvolvimento dos países. Por exemplo, quando se vai à Argélia, a Marrocos, vê-se que as respectivas associações nacionais de recursos humanos estão a ganhar importância. Em termos da função Recursos Humanos, neste projecto as várias associações envolvidas têm vindo a reflectir em conjunto sobre boas práticas, e isso também vai mexer com a sociedade. Porque há questões que se colocam e que são muito importantes… No caso das pequenas empresas, em que não há departamento de recursos humanos, as associações devem representar a função, têm o papel de dizer como é que actualmente os homens e as mulheres que trabalham nos países do espaço euromediterrânico devem ser tratados, como devem ser geridos, como devem ser motivados… A motivação é o coração da dinâmica e da produtividade das empresas. As empresas que não se preocupam em motivar as suas pessoas são as que estão numa situação de claro falhanço. Ora as associações envolvidas neste projecto representam a função Recursos Humanos, mesmo quando ela não existe nas empresas. No espaço euromediterrânico há muitas empresas pequenas, de duas ou três pessoas, nas quais não existe função Recursos Humanos. E é preciso mostrar claramente que essa função é importante, que tem um papel decisivo em qualquer organização.
O Mediterrâneo é um espaço de confluência de vários povos…
Sim, um espaço de partilha.
Mas ao mesmo tempo representa uma fronteira?
Sim.
Como vê esta contradição?
O Mediterrâneo, historicamente, sempre foi um grande espaço de trocas, de partilha, como disse. Mas foi também um espaço de confronto, regularmente, um espaço com algumas tensões. De qualquer maneira, as principais guerras não tiveram lugar no Mediterrâneo, tiveram lugar na Europa, entre a França e a Alemanha, ou a Suécia e a Polónia, ou entre a Inglaterra e a França. Hoje, sim, é verdade, é preciso acabar com a ideia de fronteira. Derrubou-se o Muro de Berlim, acabou a cortina de ferro entre a Europa do oeste e do leste, mas há um muro no Mar Mediterrâneo. Eu acho que esse muro está condenado, acho que só pode mesmo acabar. Falo sobretudo do Magreb com a França, com Espanha, com Portugal. Devemos trabalhar, reflectir, para permitir a mundialização das empresas do Magreb, para que a sociedade magrebina evolua para a plena democracia, para a plena liberdade, para o bem-estar, para uma sustentabilidade económica que satisfaça a generalidade das populações. E neste aspecto a função Recursos Humanos é essencial para a democracia, em qualquer país. A folha de salários é o coração da função Recursos Humanos… Os impostos, as contribuições para a segurança social, está lá tudo. E isso é algo fundamental para que um país funcione, para que haja redistribuição de riqueza, para que não se tenha trabalho clandestino, para que se possa irradiar a miséria, para que não se deixe a porta aberta a todas as arbitrariedades.
Essa é uma ideia que não está muito presente no cidadão comum. Na rua, por exemplo, se se perguntar pelas áreas mais importantes nas empresas provavelmente as primeiras a serem citadas são a financeira, a de marketing…
Admito que sim… Há aquela visão de considerar importante quem mexe no dinheiro, quem comunica. Por exemplo, na área financeira a prioridade é ter alguém que aponta tudo, que nalgumas horas consegue fazer um determinado trabalho especializado e pronto, por ter qualificações e um diploma. Mas a nível da função Recursos Humanos creio que se passa algo bem diferente. A função tornou-se complexa, trabalha com muitos métodos, com modelos, e exige que a cada momento se contextualize cada coisa – por oposição ao que acontece com o trabalho de um contabilista, por exemplo. É preciso adaptar os métodos a cada empresa, é preciso a inteligência de compreender o que importa que seja modificado, o que é fundamental conhecer para que as coisas façam sentido.
Talvez no que acaba de dizer esteja, em parte, a explicação para o sucesso dos cursos ligados à gestão das pessoas junto dos estudantes…
Talvez. Muitos jovens procuram a dimensão humana, sentem-se atraídos pelo universo das relações humanas. Têm um desejo de partilha, de mudar, de discutir. Apreciam uma visão mais dinâmica, mais social, as coisas mais tradicionais, ouvir as pessoas, estar atento. Tudo isto, no fundo, é gestão.
Voltando ao «Projecto Ágora RH» e ao espaço do Mediterrâneo... Será a União Europeia um problema para esse espaço? Ou seja, a União Europeia tem uma zona definida à partida, a Europa. Não acha que o Magreb, por exemplo, poderia integrar a União Europeia?
Sim e não… Se houver vontade de financiar os países pobres… Enfim, deve haver um sentimento de que a Europa não está sozinha, e deve procurar-se valorizar os projectos de financiamento dos países mais pobres.
Agora está na ordem do dia a questão da adesão da Turquia à União Europeia. Se a Turquia acabar por entrar, por que é que não poderão entrar os países do Magreb, mesmo sendo africanos? Há alguns deuses que impeçam isso?
Bom, posso responder a título pessoal…
Toda esta entrevista é a título pessoal.
A Turquia coloca um problema. Mas se você diz que há a Turquia e depois há o Magreb… Bom, o Magreb representa, em termos de população, o equivalente à Turquia. Grosso modo, o Magreb tem 70 milhões de pessoas e a Turquia a mesma coisa.
Dou-lhe o exemplo de Israel. No desporto, especialmente no futebol, foi preciso meter Israel na Europa. Imagine que um dia um clube de Tel Haviv ganhava a «Liga dos Campeões»… E afinal qual é a diferença entre a Roménia e a Argélia?
Tem razão. Mas digo isto a título pessoal... Enfim, eu tenho o sentimento de que o Magreb não tem a vocação de estar na Europa, mas considero que uma parceria de muita proximidade deve ser cada vez mais encorajada.
A partir da Cimeira de Barcelona, que veio redefinir a posição europeia de colaboração com o Magreb num quadro de cooperação inter-regional, passou a apontar-se para uma forte ligação em 2010…
Não sabemos se se vai concretizar. Há muitos atrasos. Só que é uma intenção. A abertura dos mercados, uma abertura económica… Mas quando se fala de liberdade de troca de mercadorias eu fico muito chocado, porque não se fala do mesmo em relação às pessoas.
Pelos visto, para Bruxelas as mercadorias valem mais do que as pessoas?
Parece… De qualquer forma, a troca de mercadorias entre as empresas, entre as economias de vários espaços, implica outras trocas, não apenas materiais… Falo de trocas virtuais, de ideias, e depois é preciso que haja pessoas envolvidas. Tudo isto ajuda a libertar as coisas também ao nível das pessoas. Portanto, se se fala de movimentos de mercadorias, logo há também movimentos de pessoas. Outro aspecto importante tem a ver com o seguinte… Se ajudarmos a desenvolver os países do Magreb, assim como o continente africano em geral, esse desenvolvimento implica que seja reduzida cada vez mais a miséria que faz com que milhares de pessoas queiram partir para a Europa. Ou seja, cria-se condições para que as pessoas possam ter uma vida digna nos seus países, sem que sejam obrigadas a procurar o mundo rico do norte.
Bom, eu pessoalmente gostaria de ter os meus vizinhos de Marrocos e da Argélia na União Europeia. Mas o «Projecto Ágora RH»… Está satisfeito com o percurso dos últimos três anos?
Sim.
Por quê?
Porque penso que foram produzidos conteúdos de qualidade, que houve reflexões importantes, que as pessoas estão interessadas. Este trabalho tornou-nos atractivos – a todos os participantes – em termos de recursos humanos. Há pessoas, associações, estruturas que vêm ter connosco porque nos consideram credíveis. Fazemos coisas interessantes. Repare, no colóquio final do projecto esteve presente Enrique Barón Crespo.
Acha que Barón Crespo é a imagem do político europeu?
Sim… Bom, se foi presidente do Parlamento Europeu e hoje é presidente da Comissão de Comércio Internacional desse mesmo parlamento, é porque os seus pares o consideram bom, é porque o seu perfil corresponde ao que eles pretendem. Mas ainda em relação ao projecto… Para mim, foi satisfatório, mas não é suficiente. Há muito mais a fazer, a associação de profissionais de recursos humanos da Eslovénia acabou por participar também…
E os outros países que estiveram no colóquio final como observadores?
Sim, Malta, Chipre, a Roménia, a Síria. Mesmo os casos do Senegal e da Hungria, que são exemplo de realidades que estão próximas de países do Mediterrâneo, em África e na Europa, respectivamente. A perspectiva é de que numa segunda fase do projecto eles se integrem plenamente. E há a Turquia… Todos estes países podem ajudar a tornar o trabalho mais completo.
O nome do projecto, «Ágora», vem da Grécia antiga, traduzindo a ideia de um espaço de liberdade…
Sim, um espaço de troca. E na História a Grécia é muito importante.
Mas os gregos não estão no projecto…
Mas virão, acredito que eles virão.
François Silva (n. Bordéus, 1952), doutorado em Sociologia pela Universidade de Toulouse e também com formação em Ciência Política, é professor da Euromed Ecole de Management, em Marselha (nomeadamente de disciplinas ligadas a recursos humanos), e professor Associado do Conservatoire National des Arts et Métiers (CNAM), em Paris. É presidente do Cercle d’Etudes Ethique et de Développement Sociétal (CE-DS), vice-presidente da Association Internationale de l’Audit Social (IAS) e secretário-geral da associação RH Sans Frontières. Na Euromed é também director de investigação, sendo nessa qualidade que coordena desde o início o «Projecto Ágora RH».
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