O outro gabinete
Na capa desta edição aparece uma pessoa que me habituei a ver na televisão, a cozinhar, já há uns bons anos. Desde esses tempo que não o via, e agora notei especialmente duas coisas, o cabelo diferente e o facto de usar barba, ainda que muito curta. Michel, o chefe, abriu recentemente a sua empresa, um ‘atelier’ de cozinha que leva o seu nome e no qual pretende formar novos profissionais da actividade que bem conhece. Mas a entrevista não vem daí; vem, antes, de um texto a que tive acesso – que publicamos junto com a entrevista –, de alguém que assistiu a uma intervenção do chefe na última edição da «Expo’RH», o salão profissional de recursos humanos que anualmente o IFE Portugal organiza. O texto leva como título uma pergunta, «Será que os profissionais de recursos humanos detestam os práticos?», e é seguramente um convite à reflexão. Pelo menos a mim deixou-me a pensar, e levou-me a tomar a decisão de avançar com a entrevista. A um homem que, para aquilo que faz, coloca «em primeiro lugar a paixão», e só «depois a comunicação, a lógica e a técnica», e que diz que sabe gerir mas que não tem paciência, que gosta de estar no seu gabinete a trabalhar e que «gestão é noutro gabinete».
A imagem, confesso, tocou-me, mesmo sendo a minha formação em gestão (ou apesar de). Sempre valorizei mais a ideia de trabalho do que a de gestão, muito pelas experiências que tive, não só em empresas como logo na própria universidade. Embora saiba a importância de gerir. Sempre valorizei mais a ideia de trabalho porque a gestão, por vezes, ao longo da minha vida profissional, deu-me a ideia de ser apenas, digamos assim, um disfarce. Lembro-me de um gestor, num banco, que tinha sempre dois casacos; pendurava um no gabinete e depois, com o outro vestido, lá ia à vida dele, embora oficialmente o primeiro casaco pendurado nas costas da cadeira indicasse que estava algures no edifício, que por sinal era bem grande. Outro gestor, também me lembro, tinha uma frase famosa, «eu não faço, mando fazer», sendo que essa frase traduzia a sua ideia de gestão, e já agora de trabalho.
De qualquer forma, não está nestes dois exemplos, nem noutros ainda piores com que já me deparei, a pessoa que mais me marcou em termos de gestão; pela negativa. Essa pessoa foi um professor, logo no primeiro ano do curso, um professor que na altura já era um gestor relativamente conhecido, que uns bons anos mais tarde seria ministro de poucos méritos e depois novamente gestor. No início do curso dava aquela que se poderia considerar a cadeira de base, uma espécie de introdução à gestão. Era a parte teórica, com todas as turmas reunidas num auditório. O homem chegava, punha-se a escrever a matéria no quadro, alguma dizia-a em voz alta, e no fim ia-se embora, quase sem ter dirigido a palavra aos alunos (o professor da parte prática, o da minha turma, era bem diferente, até falava muito com os alunos, mas a frase dele de que mais me recordo era uma espécie de interrogação: «O que seria o mundo sem burocracia?!»).
Também me fez pensar em tudo isto um outro texto desta edição, o «ponto de vista» de Portugal. Termino com um pequeno excerto desse texto: «Para se verem livres deles, as empresas tiveram que despender enormes quantias em dinheiro, acções, stock options e pagamentos em espécie…»
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