domingo, 2 de março de 2008

Quatro reflexões

Coloco a seguir o artigo que escrevi para o «Anuário RH 2008», do IFE.
.
***
.
Quatro reflexões

Este texto é composto por quatro reflexões, ligadas ao mundo português dos recursos humanos. A primeira é sobre os e-mails (um tema sugerido pelos responsáveis da publicação) e as restantes, respectivamente, sobre um conceito que tem originado erros de português e desconfianças, sobre as leis do trabalho e sobre a produtividade (referida, aliás, na sugestão de tema – «será o e-mail um inimigo da produtividade?»).

O meu «mail»
Um dia eu estava a editar uma notícia relativa a um estudo sobre o uso do correio electrónico nas empresas. Nunca tinha reflectido sobre o assunto. Segundo o estudo, na Europa os gestores passavam duas horas por dia a «gerir os e-mails», o equivalente, segundo as contas apresentadas, a «10 anos da vida» (o «tempo médio» que cada gestor poderia passar ao longo da existência a «abrir mensagens electrónicas, a lê-las, a responder ou simplesmente a apagá-las»). O correio electrónico era ainda acusado de «fazer baixar a comunicação frontal entre as pessoas, contribuindo para a redução das relações laborais e também das relações sociais e afectivas». Tentei visualizar o ambiente de empresas que conheço e foi fácil perceber que boa parte das conclusões faziam sentido. Depois pensei no meu caso e ainda tive alguns receios, mas só até dizer para mim próprio que mais do que coisas para gerir tenho coisas para fazer; e comprovei que o tempo de trabalho que passo às voltas com tanta tecnologia é de facto a trabalhar – por exemplo, fazer uma entrevista, contactar alguém ou responder a dúvidas de colaboradores; e com colegas de trabalho até acompanho muitos e-mails com uma conversa, seja no escritório, seja ao telefone a partir de casa (por exemplo, enviar ficheiros e falar sobre o conteúdo). Já certos «gestores» dão um uso bem diferente ao correio electrónico… A título de exemplo, coloco a seguir duas coisas copiadas do meu «Outlook» (assuntos de mensagens recebidas de pessoas de empresas): «Hugo Chávez há nove anos – vale a pena ver» (de um gestor de uma empresa de telecomunicações); «Fwd: Palácio de Monserrate – Sintra em fotos» (de um gestor de uma empresa do sector automóvel).

Flexibilidade para errar
Já me disseram que na revista «Pessoal», que dirijo mas onde principalmente escrevo, a palavra «flexissegurança» aparece mal escrita, porque pomos dois ésses. É, de facto, assim. A revista, pela área a que diz respeito, teria inevitavelmente de falar de «flexissegurança»; não gostamos muito do tema – por acharmos que, como diz um dos colaboradores (Carlos Antunes), por cá há o perigo de «a flexissegurança» ser mais «à chinesa» do que «à dinamarquesa» –, mas temo-lo abordado. Não escrevemos «flexisegurança», como aparece um pouco por todo o lado, porque o ésse entre duas vogais lê-se como zê. Já vi também «flexi-segurança» e «flexigurança». Tudo isto não passaria de um pormenor se o modelo não prometesse, numa eventual aplicação em Portugal, flexibilidade completa (que nem me parece mal) só que num país onde os níveis de protecção social nos deixam envergonhados perante a maioria dos parceiros europeus.

Vício de reforma
Por falar em «flexissegurança», o modelo nunca poderá, já se vê, ser dissociado da legislação laboral. Em Portugal há a mania um bocado parva de tudo se tentar resolver com sucessivas reformas legislativas. E depois dá no que se sabe, a vários níveis. O meu amigo Carlos Perdigão dizia numa entrevista que o actual Código do Trabalho tinha entre as principais prioridades a promoção da adaptabilidade e da flexibilidade da disciplina laboral e a abertura a novas formas de trabalho; e depois referia que quatro anos volvidos sobre a sua aprovação se continua a falar de flexibilidade e de adaptabilidade, como se nada tivesse acontecido. Este jurista acrescentava… «A questão da excessiva rigidez da nossa legislação laboral divide bastante os especialistas. Como explicar, por exemplo, o assinalável êxito de muitas das nossas empresas – caso da Autoeuropa, entre muitos outros – que estão submetidas ao cumprimento da actual legislação laboral? Estou entre os que pensam que são razões relacionadas com as insuficiências tecnológicas, com o défice de formação de gestores e trabalhadores e, sobretudo, com a componente organizacional que verdadeiramente explicam o fraco desempenho geral das nossas empresas.»

Isso da produtividade
A parte final da terceira reflexão leva à questão da produtividade. Em 2002 um estudo mostrou que o problema da produtividade em Portugal não tem a ver com a generalidade dos trabalhadores mas com a generalidade dos gestores. Só que a ideia que continua a ser propagandeada é a de que tem apenas a ver com os trabalhadores. Os défices de formação e sobretudo a falta de profissionalismo são uma marca da gestão que se faz por cá. E depois a produtividade é que paga (assim como os trabalhadores, tão mal geridos). Pegando naquilo dos e-mails, da primeira reflexão…Se o estudo dissesse respeito apenas a Portugal, quanto tempo daria para os gestores? E se o estudo, também por cá, fosse sobre as almoçaradas? Aí, talvez nem as duas horas chegassem.

1 comentário:

Anónimo disse...

Pretty bom post. Eu só tropeçou em seu blog e queria dizer que eu realmente gostei de visitar seu blog. Em todo o caso eu vou estar assinando seu feed e eu espero que você escreva novamente em breve!