quinta-feira, 6 de março de 2008

Edição de Março

Número 67 da revista «Pessoal» – edição de Março de 2008. Destaque de capa para seis mulheres directoras de recursos humanos em Portugal. Coloco abaixo o meu editorial...

As mulheres, as empresas, a política
No mês que tem o Dia Internacional da Mulher, decidimos dar destaque na «Pessoal» a mulheres que desempenham em diversas empresas cargos de direcção de recursos humanos. O habitual dossier da edição tem por isso seis mulheres, seis directoras de recursos humanos, em entrevistas sobre o seu papel nas respectivas empresas, mas também sobre a situação das mulheres em geral no mercado de trabalho; para além de um caso, o da Microsoft, no seguimento da distinção que obteve em Portugal, a de melhor empresa para as mulheres trabalharem.
As entrevistas têm respostas que acabam por ser bem diferentes umas das outras, mas por vezes nota-se uma certa unanimidade, sobretudo na análise que é feita sobre a gestão no caso de ter homens como protagonistas ou no caso de ter mulheres. Deixo três exemplos…
Primeiro – «É possível falar numa gestão no feminino. O sucesso desta gestão começou quando a mulher assumiu que para ter sucesso e ocupar funções de topo numa organização não precisava de imitar o estilo masculino. Ao contrário, o segredo do sucesso da gestão no feminino está exactamente no momento em que a mulher passa a utilizar, na sua plenitude e sem preconceitos, habilidades que são reconhecidas ao género feminino, como a maior versatilidade, a famosa capacidade de desenvolver diferentes tarefas em simultâneo, a visão global, a facilidade no relacionamento com outras pessoas, a facilidade com que delega tarefas, não esquecendo a tão falada sensibilidade feminina.» [Idália Batalha]
Segundo – «As mulheres são menos autoritárias, mais assertivas e mais participativas. São mais emocionais. Uma mulher que consiga conjugar a sua inteligência com as suas emoções consegue normalmente melhores resultados enquanto líder.» [Isabel Heitor]
Terceiro – «A mulher é mais sensível e emotiva, contrariamente ao homem, que por natureza é mais racional e objectivo.» [Ana Barata]
Mas a opinião que mais me surpreendeu foi uma que resultou de duas perguntas; estas: «O facto de termos poucas mulheres na política acaba por ter reflexo na menor presença de mulheres nas empresas, especialmente em cargos de direcção? Ou a política simplesmente não atrai as mulheres por ser uma actividade cada vez mais mal conotada?» Perguntas para Isabel Moisés, que respondeu assim: «A política pode não atrair as mulheres porque o desgaste e a entrega pessoal necessários são ainda maiores do que na vida empresarial, sendo que nesta há maior recompensa e menos exposição aos vícios ou virtudes privados. Por outro lado, na maior parte das empresas os critérios de competência acabam sempre por vencer, enquanto que na política há uma complexidade de factores que orientam e determinam quem está na mó de cima e quem está na mó de baixo, os factores são muito mais intensos e variados, e a relação entre esforço e resultado é mais indirecta, demorada e nem sempre compensadora.»
Pareceu-me que de uma maneira bem elegante foi assim definida a política, pelo menos a política que nos tem calhado em sorte. Outra, bem próxima de nós, a que se mostra passando a fronteira, é caracterizada umas páginas adiante (52 e 53), onde a certa altura se pode ler, por exemplo, que «a manipulação, a mentira e a falta de comunicação autêntica em duplo sentido e em todas as direcções é muito rentável para os políticos que nunca fizeram nada na vida». Lá como cá…

domingo, 2 de março de 2008

Quatro reflexões

Coloco a seguir o artigo que escrevi para o «Anuário RH 2008», do IFE.
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Quatro reflexões

Este texto é composto por quatro reflexões, ligadas ao mundo português dos recursos humanos. A primeira é sobre os e-mails (um tema sugerido pelos responsáveis da publicação) e as restantes, respectivamente, sobre um conceito que tem originado erros de português e desconfianças, sobre as leis do trabalho e sobre a produtividade (referida, aliás, na sugestão de tema – «será o e-mail um inimigo da produtividade?»).

O meu «mail»
Um dia eu estava a editar uma notícia relativa a um estudo sobre o uso do correio electrónico nas empresas. Nunca tinha reflectido sobre o assunto. Segundo o estudo, na Europa os gestores passavam duas horas por dia a «gerir os e-mails», o equivalente, segundo as contas apresentadas, a «10 anos da vida» (o «tempo médio» que cada gestor poderia passar ao longo da existência a «abrir mensagens electrónicas, a lê-las, a responder ou simplesmente a apagá-las»). O correio electrónico era ainda acusado de «fazer baixar a comunicação frontal entre as pessoas, contribuindo para a redução das relações laborais e também das relações sociais e afectivas». Tentei visualizar o ambiente de empresas que conheço e foi fácil perceber que boa parte das conclusões faziam sentido. Depois pensei no meu caso e ainda tive alguns receios, mas só até dizer para mim próprio que mais do que coisas para gerir tenho coisas para fazer; e comprovei que o tempo de trabalho que passo às voltas com tanta tecnologia é de facto a trabalhar – por exemplo, fazer uma entrevista, contactar alguém ou responder a dúvidas de colaboradores; e com colegas de trabalho até acompanho muitos e-mails com uma conversa, seja no escritório, seja ao telefone a partir de casa (por exemplo, enviar ficheiros e falar sobre o conteúdo). Já certos «gestores» dão um uso bem diferente ao correio electrónico… A título de exemplo, coloco a seguir duas coisas copiadas do meu «Outlook» (assuntos de mensagens recebidas de pessoas de empresas): «Hugo Chávez há nove anos – vale a pena ver» (de um gestor de uma empresa de telecomunicações); «Fwd: Palácio de Monserrate – Sintra em fotos» (de um gestor de uma empresa do sector automóvel).

Flexibilidade para errar
Já me disseram que na revista «Pessoal», que dirijo mas onde principalmente escrevo, a palavra «flexissegurança» aparece mal escrita, porque pomos dois ésses. É, de facto, assim. A revista, pela área a que diz respeito, teria inevitavelmente de falar de «flexissegurança»; não gostamos muito do tema – por acharmos que, como diz um dos colaboradores (Carlos Antunes), por cá há o perigo de «a flexissegurança» ser mais «à chinesa» do que «à dinamarquesa» –, mas temo-lo abordado. Não escrevemos «flexisegurança», como aparece um pouco por todo o lado, porque o ésse entre duas vogais lê-se como zê. Já vi também «flexi-segurança» e «flexigurança». Tudo isto não passaria de um pormenor se o modelo não prometesse, numa eventual aplicação em Portugal, flexibilidade completa (que nem me parece mal) só que num país onde os níveis de protecção social nos deixam envergonhados perante a maioria dos parceiros europeus.

Vício de reforma
Por falar em «flexissegurança», o modelo nunca poderá, já se vê, ser dissociado da legislação laboral. Em Portugal há a mania um bocado parva de tudo se tentar resolver com sucessivas reformas legislativas. E depois dá no que se sabe, a vários níveis. O meu amigo Carlos Perdigão dizia numa entrevista que o actual Código do Trabalho tinha entre as principais prioridades a promoção da adaptabilidade e da flexibilidade da disciplina laboral e a abertura a novas formas de trabalho; e depois referia que quatro anos volvidos sobre a sua aprovação se continua a falar de flexibilidade e de adaptabilidade, como se nada tivesse acontecido. Este jurista acrescentava… «A questão da excessiva rigidez da nossa legislação laboral divide bastante os especialistas. Como explicar, por exemplo, o assinalável êxito de muitas das nossas empresas – caso da Autoeuropa, entre muitos outros – que estão submetidas ao cumprimento da actual legislação laboral? Estou entre os que pensam que são razões relacionadas com as insuficiências tecnológicas, com o défice de formação de gestores e trabalhadores e, sobretudo, com a componente organizacional que verdadeiramente explicam o fraco desempenho geral das nossas empresas.»

Isso da produtividade
A parte final da terceira reflexão leva à questão da produtividade. Em 2002 um estudo mostrou que o problema da produtividade em Portugal não tem a ver com a generalidade dos trabalhadores mas com a generalidade dos gestores. Só que a ideia que continua a ser propagandeada é a de que tem apenas a ver com os trabalhadores. Os défices de formação e sobretudo a falta de profissionalismo são uma marca da gestão que se faz por cá. E depois a produtividade é que paga (assim como os trabalhadores, tão mal geridos). Pegando naquilo dos e-mails, da primeira reflexão…Se o estudo dissesse respeito apenas a Portugal, quanto tempo daria para os gestores? E se o estudo, também por cá, fosse sobre as almoçaradas? Aí, talvez nem as duas horas chegassem.